Sessenta e dois alunos faziam parte da turma do curso Biologia, sendo apenas oito rapazes do total. Eram tratados com todo o carinho e atenção pelo restante das gurias,isto quando eles não aprontavam das suas. Cada um dos rapazes, é claro, tinha uma característica peculiar. O Othaviano era o mais velho,metido a malandro e querendo sempre levar vantagem em tudo.O problema era que o tudo sempre levava vantagem dele.O Arlindo era um pequenininho que não podia ver um rabo de saia que se atirava logo a dar uma cantada.O porém era que ele acabava sempre levando um grande fora ou correndo dos namorados,noivos e maridos das mulheres.O Zeraldo era o carrancudo a primeira vista,mas um grande sacana.Aprontava grandes sacanagens e sempre com aquela seriedade militar.Havia ainda o Roberval era o mais tímido,porém muito sacana.Era o “come quieto”.Fazia suas peraltices mas mantinha um certo estilo que lhe proporcionava segurança.Completava-se o grupo com o Modestino,o Rualdo,o Josué e o Carlitos que somavam-se as traquinagens dos demais. Certa ocasião. o professor Marialdo marcou com todos um trabalho de campo.Estariam “in lócus” estudando a flora de um riacho extremamente conhecido da cidade.Como o professor era extremamente exigente com seus alunos fez uma longa preleção explicando todos os detalhes para execução do trabalho. Os alunos deveriam estar com sua “maleta biológica” com todo o material necessário entre eles tubos de ensaio com tampas, tesouras de diversos tipos, pipetas e pinças dos mais diversos tamanhos, luvas, botas, roupa adequada, enfim não poderia participar daquela sem os devidos recursos necessários. As gurias venderam as jóias para comprar o material indicado que era de alto custo, entretanto a turma dos guris liderada pelo Othaviano decidiu buscar alternativa. Reuniram-se no final de semana e utilizando-se de material descartável e reciclável resolveram fabricar seus instrumentos.Vidrinhos,tampinhas,arames,um pedaço de filó (para fabricação de redes de captura),garrafas,taquaras,botas e luvas foram adaptadas nos baús de quinquilharias de seus pais...ao final da tarde de domingo cada um estava com o material completo e pronto para ser usado. E lá se foram na segunda-feira para a tão aguardada aula prática de coleta de material no famoso riacho. Chegando ao local previamente determinado, encontraram as gurias eufóricas de botinhas, luvinhas e com sua maletinha aguardando o professor Marialdo. A farra iniciou quando viram o material dos guris.O que era para ser quadrado tinha uma forma triangular e o esférico aproximava-se do quadrilátero.A visão do material era uma obra inacabada do capeta ! O sol da tarde de final de março era estranhamente escaldante e recebeu o professor Marialdo metido em uma calça de borracha, completada por monstruosas botas, uma maleta enorme (mais para uma mala a tiracolo do que outra coisa), com um guarda pó muito alvo, tendo suas mãos protegidas por grandes luvas e um chapéu de palha ridículo que completava uma figura cômica. Trazia uma rede de coleta aquática em uma das mãos e já fazia sinal de silencio com a outra. A figura provocava risinhos entre as gurias e altas gargalhadas entre os guris, que estavam despojadamente vestidos e não esperavam ver aquela imagem que mais lembrava um astronauta do que outra coisa. Dadas as determinações finais sobre todos os cuidados necessários a coleta e evitar alguma contaminação, tendo em vista que era um escoadouro de esgotos residenciais e industriais o professor em tom solene diz: - Com muita calma, pessoal, temos a tarde inteira para realizar a atividade. Sem pressa e muita atenção para não ocorrer nenhum acidente.Eu serei o primeiro a descer a rampa e entrar no riacho.Vejam que ele tem muita matéria orgânica em decomposição.Muito cuidado.Observem como se deve proceder. Ajeita-se e empertigado dá o primeiro passo para descer a rampa e o que ele mais queria evitar aconteceu. Se houve o barulho do escorregão,o baque e um gemido abafado e o professor Marialdo Rolando com maleta e tudo em direção ao riacho. Todos ficaram momentaneamente estáticos até o professor literalmente mergulhar no riacho, em meio a fezes não decompostas e todo aquele material fétido. Paralisados as gírias só davam pequenos gritinhos e os guris não sabiam se desatavam a rir ou com as mãos nuas ajudavam o professor sair daquela situação e corriam o risco de contaminação. O professor se coloca em pé depois de várias tentativas e totalmente preto devido ao material putrefato do riacho, junta a maleta, pega sua rede coletora, deixa sua coluna geometricamente ereta e começa a subir a rampa sob ameaças dos guris e gurias de ajudá-lo, mas impedidos pelo pavoroso fedor que exalava e devido à gosma que cobria o corpo do mestre. Já seguro na margem ele olha, com verdadeiro furor aos alunos e em tom catedrático diz: - A aula prática está encerrada. Até a próxima semana. Com um barulho característico de sapato encharcado de água, deixando um rastro de odor terrível e visivelmente derrotado o professor entra em seu carro e sai em desabalada carreira. Neste momento, em meio à flora e fauna característica da região ouve-se uma gargalhada uníssona dos guris e gurias...
Por Renato Hirtz
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