Barbosinha era um funcionário de uma Secretaria da Educação. Formado em Pedagogia, com especialização em Supervisão Escolar, foi transferido para uma Coordenadoria de uma cidade do interior. Era um especialista em educação e como tal muito educado, trabalhador, dedicado e gostava do que fazia.
Recém chegado na Coordenadoria, como é natural, não tinha noção de como era a rotina de trabalho, com os colegas e com os meandros da política local. Ficou determinado pela chefia imediata que iria fazer supervisão nos estabelecimentos de ensino no interior da região. Orientar,verificar e resolver “in loco” os problemas que pudessem estar ocorrendo na dinâmica pedagógica era sua missão.. Os locais eram os mais diversos e variavam as distâncias. Algumas escolas se localizavam a grandes distâncias,levando quase meio dia de viagem,ainda mais pelas condições precárias de acessibilidade.Foi-lhe dito que a visita de um supervisor a estas unidades escolares,em 99% dos casos,era uma festa.Isto acontecia porque os professores e as diretoras das escolas gostavam das “novidades” referentes à educação e outros assuntos (fofocas,na verdade) que estavam em pauta no momento.
Mandaram o Barbosinha falar com o encarregado do transporte. Ele teria uma condução disponível para seu deslocamento e de outros colegas supervisores que o acompanhassem,caso houvesse necessidade.Não perderiam tempo utilizando-se do transporte coletivo que era precário na região e com horários reduzidos.
Lá se foi o “Professor Barbosinha”, feliz da vida conversar com o encarregado do transporte. Seu Virgílio, funcionário cedido pelo município sede, era um baixinho, atarracado, com um bigode de fazer inveja e com uma melena penteada no capricho com gel fixador. Estava encostado na Brasília76,carro oficial azul e branco usado pela senhora coordenadora.O carro tinindo de tanto lustre estava embaixo da sombra que fazia uma velha figueira.Coçando a orelha com aquela espetacular unha do dedo mínimo,ficou só de olho no “peão” que vinha se aproximando.
-Sou o professor Barbosa. Muito prazer em conhecer o colega.Sou o novo supervisor da coordenadoria.Vim conversar com o Senhor sobre a condução que vamos usar para visitar as escolas.
-Ah!Sim, sim. O Senhor vai usar a Preta Creusa. O sistema está funcionando. Às vezes a bateria dá “os doces”,mas é só da um tranco e a coisa funciona.As “luz”,conforme a buraqueira apagam,mas logo volta.O resto funciona normalmente.Só tem que cuidar é com a direção .É muito sensível e o setor de direção tá com uma pequena folguinha.
O Barbosinha não quis interromper o Seu Virgílio. O que ele havia perguntado ou pensou em perguntar é como ele poderia dispor do veículo que iria usar.
-Não se esquece de ver com antecedência – continuou o Seu Virgílio cofiando o bigode com a unha de tamanho avantajado – é a distância que vai andar para calcular o quanto tem que levar de gasolina extra. O senhor vai abastecer nos postos de gasolina indicados pelas prefeituras dos municípios que fazem parte da região.Vamos ver a “preta” e já lhe deixo com as chaves. Quando o Seu Virgílio abriu a porta da garagem, o Barbosinha quase teve uma síncope cardíaca. O veículo,a “preta Creusa” era uma Rural 1966(e olha que o fato ocorreu em 1987) de cor preta,com uma tarja branca nas portas,com uns escritos que só dava para ler “SUTERGS” ou coisa parecida.
A porta do motorista quase veio abaixo quando Barbosa abriu, forçando um sorriso de contentamento. Os bancos uma vez foram pretos possuíam remendos de matizes variados.Barbosinha limpou com a mão aquilo que chamavam de banco e sentou-se com uma palidez invejável.Virou a chave e tentou dar partida do motor.Só ouviu-se um “tec”.
- Para que é a bateria. Eu falei que ela era geniosa.Tem uma de reserva lá atrás.Faz-se uma ponte e já era,falou Seu Virgílio. Feita a ponte foi dada à partida no motor. Quando o motor começou a funcionar parecia que o ar ao redor do famigerado veículo havia sumido.Uma espessa nuvem de fumaça branca tomou conta do local e o cheiro de gasolina tornou-se insuportável.
-Eu não disse! Gritava emocionado o Seu Virgílio. A “preta creusa” não nega fogo.O senhor passa no posto de gasolina da esquina e abastece.Depois passa no Setor de Manutenção da Prefeitura e pega um macaco do Brás emprestado,caso fure algum pneu.
Corcoveando que nem mula lá se foi o Barbosinha tentando dirigir aquele veículo do inferno. Era uma situação de risco de vida imediato.O freio funcionava na quinta pedalada,o volante tinha exatamente duas voltas e meia de folga,as marchas engrenavam quando queriam (e escapavam também da mesma forma!)....mas fazer o que ? Era aquilo ou longas horas de espera na beira das estradas pelos ônibus de linha.
Abastecido o veículo dirigiu-se ao Setor de Manutenção como havia sido orientado.
- Boa tarde! Vim pegar o macaco do Brás... Nem tinha terminado de falar Brás e se deu conta do que tinha dito. Barbosinha,pensou,sobre a mancada produzida!
O atendente que estava na entrada do portão com um sorriso no rosto grita pelo nome do Brás. Um negro com um metro e noventa,uma verdadeira muralha,vestido em um macacão que um dia devia ter sido amarelo,pois estava totalmente sujo de graxa aparece na porta do galpão.
- Hã ?
Barbosinha gelou quando pensou que o atendente iria dizer exatamente o que ele havia falado segundos antes e saltou na frente dizendo:
-Nada de importante.Só passei para conhecê-lo. O Virgílio manda lembranças e um abraço...
Consegue engatar a primeira marcha e sai de fininho dando um adeusinho para o Brás que até hoje não entendeu nada.
Renato Hirtz
Outubro de 2004
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