Era uma noite muito fria.
Terminada a sua jornada de trabalho, sem carro e sem carona, o Professor Freitas ia pela rua pouco iluninada com sua pasta envelhecida pelio tempo e fumando um cigarro. Pensava nas contas a pagar, nos filhos, na esposa e nos seus alunos e alunas que poderiam ter uma vida bem melhor se ouvissem os seus conselhos.
O professor Freitas era daqueles professores dedicado, correto e sempre buscando uma forma de auxiliar seus alunos com uma palavra amiga, com a dica de um luar para trabalhar, um curso gratuito para fazer, enfim, um paizão. Pouquissímos alunos e alunas não gostavam de conversar, brincar e, principalmente, assistir as aulas do Freitas. Um amigão,um paizão,um cara lehal diziam os seus alunos e os ex-alunos.
Conhecia todo o mundo. O policial militar da quadra,o pai do fulano,a mãe do ciclano,a vó da beltrana e sabia das dificuldades que seus alunos passavam.Lá se iam vinte e tantos anos de profissão e não havia um rosto,um olhar,um gesto que não indicasse ao bom professor uma necessidade daquela gurizada.
Lá ia ele por aquela rua em direção a parada do ônibus, quando ouve um ruído de um carro que se aproximava mansamente. Não pode ser, pensou o professor Freitas. Será que vou ser assaltado na vila que já dedico quase quinze anos de trabalho ?O que vão me roubar? Meu relógio paraguaio que consegui comprar com muito custo ou meu tênis que mal terminei de pagar. E se me roubam a pasta com os cadernos de chamada e minhas anotações nesta agenda que ganhei há dois anos atrás ? Não, só falta me roubarem o dinheiro dapassagem e euter que ir caminhando atéem casa. O som do motor, um ronco pesado e que marcava uma cadência horripilante se aproximava cada vez mais. O estômago do profesor Freitas se contorcia e a sensação do perigo eminente contraia todos os músculos corpo do professor.
Uma pequena olhada de canto de olho e o quadro se tornou assustador. Um opala preto,com os vidros escuros e um turbo em cima do capo completou a dose de pavor que tomava conta daquele professor agora sentindo-se o ser humano mais indefeso da face da terra. O carro para alguns metros à frente e a porta de abre. -Mestre! A voz era rouquenha, tétrica e vinha do fundo dos pulmões de um jovem negro de uns dois metros de altura. Um verdadeiro ármario que saia de dentro daquele opala preto e se locomoviapesadamente na direção do franzino professor.
-Mestre, o que faz aqui há esta hora? Tu tá perdido meu fessor?Com um sorriso escancarado e uma linguagem de malandro, o rapaz abria os braços na direção do professor que recebeu um abraço esmagador. O professor viu o chão se abrir aos seus pés, um suor gelado aflorou por todo o corpo e um calafrio insistia em arrepiar sua pele. Foram instantes de um verdadeiro filme de terror,pavor,pânico....Ele não sabia como descrever o que passará em sua cabeça;
- Jambolão, que susto me deste. Estou indo para a parada de ônibus.Perdi minha carona e vou esperar o ônibus na esquina.
- “No problem” meu mestre, eu faça a tua segurança até o ponto. Virando-se para o carro, já deixado um pouco para trás, grita para os três ocupantes que lá estavam:
- Ô cachorrada, vamo acompanhá o mestre até a parada do ônibus fazendo a sua segurança. Na maior e de mansinho.Vamos firme,meu mestre que quem tá com o Jambo,tá melhor do que com Deus!
- Tá bom.
Foi à única coisa que o professor Freitas conseguiu dizer. Jambolão tinha sido aluno dele até a 5ª série e por uma série de razões havia parado de estudar e se dedicado a prática atos que iam de encontro aquilo que se chamava “ bons costumes”,infelizmente.
- Gente boa, a voz era retumbante, tu não sabes que eu tenho boas lembranças das tuas trovas nas aulas que tu davas na 5ª série, porém, o negrão aqui tá batalhando numa outra área. Distribuo,dou atraque nos mané,mas lembro bem das tua lição,meu “brodi”.Sabes...Sabes que até dou uma graninha,por fora,para os menos favorecido aqui e ali.Ajudo os velhinhos e compra de mim quem qué.Não sou de insisti.
- Ah! Entendo, mas tu estás bem? Não pensa em retornar aos estudos e concluir o ensino médio e batalhar por uma profissão mais tranquila?
- Até penso meu mestre. O tempo é que é curto prá cumprir com todos os meus afazeres.O dia tinha que ter mais horas,vinte e quatro para todos os meus compromissos é muito pouco.
E lá iam os dois na direção do ponto do ônibus. Chegando,o opala estacionou na esquina,deslizou os faróis e o motor.Um dos rapazes coloca a cabeça para fora,pela janela,e grita:
- Temo aqui, quarqué coisa metemo bala e voceis se abaixa!
-Não... Não é preciso nada disso, o professor Freitas nunca tinha passado por uma situação daquelas.
O garotão contava dos assaltos,da venda de drogas,das atitudes disciplinares que impunha aos que lhe deviam e mostrava as duas pistolas que o acompanhavam na sua labuta diária.
Ao mesmo tempo em que sentia remorso por não ter podido ajudar mais o então, menino da quinta série achava interessante que o “deliquente” mostrava um coração bondoso com alguém que uma vez tentou ajudá-lo. Era um verdadeiro paradoxo. Neste momento, explodiu-lhe na cabeça uma péssima e irreparável situação. E se naquele momento a viatura da polícia militar passasse por ali.Naquele momento,vendo aquele quadro.não haveria explicação que fizesse entender ele ao lado do indivíduo mais procurado do bairro por uma série de delitos.Imaginava a repercursão do fato.Cinco elementos detidos pela polícia entre eles um professor da escola do bairro ! Não, o martírio teria que ter um fim. Era uma mistura sensações que engasgava o pobre professor: o cuidado do ex-aluno para com ele e o histórico de transgressões que ele havia cometido. Verdadeiramente um terrível paradoxo.
- Jambolão, aí vem um táxi lotação. Vou nele para não te atrapalhar e não chegar tarde em casa. O Jambolão dirije-se ao meio da rua e com os braços abertos começa a fazer sinal para o táxi lotação parar. O motorista ao vê-lo não sabe se acelera ou pára. Abre a porta do veículo e branco como uma folha de papel só tem tempo de dizer:
-Sim...
-Este é meu mestre. Leva ele na legal até onde ele disser e nós vamo só na proteção.
“Meu mestre!”, pensou o professor Freitas. ”Meu mestre” do quê ? E subindo no táxi lotação virou-se para trás e falou:
-Obrigado Jambolão. Valeu a força e te cuida!
-É isso aí, mestre dos mestres. Toca a coisa que “estamo” na tua cola.
O motorista riu amarelo e acelerou. Seus olhos não desgrudaram do retrovisor e devia estar rezando a todos os santos,pois era o professor Freitas e ele naquele veículo. Constrangido o que o professor conseguiu dizer foi:
-Não sou mestre do que estás imaginando. Vai tranquilo que sou professor e aqui está o dinheiro da passagem.Ele foi meu aluno na quinta série. O que o professor Freitas ouviu a seguir foi um grande supiro do motorista e o ronco do motor do opala do Jambolão que vinha “na segurança”.
Autor
Renato Hirtz
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