Josivaldo era motorista contratado como funcionário público para atender o pessoal de uma coordenadoria de ensino lá do interior. Era o sonho daquele rapaz criado na roça, mas que não conhecia dificuldades, pois a família tinha uma boa situação financeira.Os pais eram plantadores de soja e o menino sempre teve o necessário. Sempre foi considerado “muito louco” e aprontava das suas.Sua fascinação era por automóveis.
Quando começou a alcançar nos pedais da camioneta e do trator de propriedade de seu pai, não teve quem o segurasse.Uma vez o velho pai teve e busca-lo na Delegacia de Polícia, pois estava dirigindo perigosamente sem habilitação.
O Josivaldo tinha fama de “barbeiro”.Só conseguiu passar no teste de direção na 5ª vez em que prestou prova prática.Era um horror.Conseguiu, entretanto, ser contratado para o tão sonhado cargo: motorista! Apesar de tudo isto, ele adorava o que fazia, mas fazia muito mal.Estava sempre no horário, com a viatura sempre brilhando e cheirosa internamente.Não descuidava da sua aparência por causa das gurias.Este era um problema.Não podia ver um rabo de saia que se alvoroçava todo.Ficava doido mesmo.
Com a tabela de horários e compromissos do coordenador nas mãos, ficava de plantão na frente do prédio da coordenadoria, encostado na viatura.Aproveitava o tempo para ouvir um “som” e cuidar das gurias que passavam pelo local..
Numa manhã, o Coordenador deveria sair mais cedo do que o horário habitual, devido a um compromisso num município vizinho.Deveria inaugurar uma escola e receber uma homenagem da Câmara de Vereadores do local.Não poderia chegar atrasado a cerimônia, pois seria uma falta de respeito para com as pessoas.
Quem chegou atrasado foi o Josivaldo, com cara de sono, banho recém tomado, bafejando e temendo por uma reprimenda severa do coordenador. E não deu outra, o coordenador esbravejava, batia com os punhos nas pernas, sapateava e em seu terno azul marinho, suava aos cântaros.O cabelo lateral, comprido que era usado para disfarçar a calvície teimava em cair para o lado dando um aspecto cômico a figura do coordenador e com isto ficava mais furioso.
-Chega de “lero-lero” e toca em frente.Não podemos chegar atrasado.Vamos logo, rapaz.
Colocou o cinto de segurança e se ajeitou no banco. Josivaldo acelerou o carro tudo o que podia e largou a embreagem de sôco.A viatura já desgastada pelo uso trepidou e deu um solavanco brutal para frente.O banco do carona, onde estava o coordenador, deu um estalo e caiu para trás.Com o susto, o Josivaldo deu uma freada daquelas e o banco solto com o coordenador foi parar embaixo do painel.A situação era trágica e ao mesmo tempo cômica.Literalmente estufado de ódio, preso pelo cinto de segurança, lívido de raiva o coordenador berra:
-Me tira daqui, seu imbecil.Quem foi que te ensinou a dirigir, mula!Olha o meu estado! Olha como ficou a minha roupa!Vamos logo...!
Retirado com certa dificuldade da situação em que se encontrava, iniciou-se o trabalhado de consertar o banco quebrado.Como não havia ferramentas, o jeito foi arranjar um pedaço de arame e tentar solucionar o problema.Não havia como viajar no banco traseiro já que estava ocupado com material escolar que seria levado para a escola a ser inaugurada.Arrumado o banco lá se foram estrada afora. Depois de rodar por uns 15 minutos o Coordenador já estava suando aos cântaros, devido ao esforço que fazia para se manter sentado e ao mesmo tempo manter o banco no lugar.Cada reduzida de marcha ou aceleração o banco ia para frente e para trás.Rodados alguns bons quilômetros, com certa tranqüilidade, o Josivaldo mais preocupado com o “som” (o rádio) do que com a estrada, não vê um buraco no asfalto e acerta-o em cheio.O estouro do pneu é inevitável.E a fúria do coordenador chega quase as vias de fato.Ele queria pegar o Josivaldo pelo pescoço e estraçalhá-lo.
-Não fala nada!Se disseres alguma coisa, não respondo por mim, troca o pneu rápido e não abre este teu bico.
O Coordenador espumava de raiva sob o Sol escaldante.Josivaldo tremia de raiva e praguejava que só com ele aconteciam aquelas coisas.Em verdadeiro atropelo iniciou a troca do pneu estourado.Mas sua saga não havia terminado.Girou a manivela do macaco e retirou o rodado.Girou mais um pouco a manivela do macaco e ouviu-se um estalo.Tudo veio abaixo.O eixo da roda ficou cravado no asfalto.O macaco havia quebrado.
O coordenador sapateava, soqueava o ar, dava pontapés para um lado e para outro e imaginava como seria chegar atrasado ao ato oficial.Suado, cansado, amarrotado e escabelado, espumava. Josivaldo no meio da estrada, gesticulava os braços para parar outro carro e pedir ajuda.Conseguida a ajuda com um agricultor da vizinhança retornaram a estrada.Nestas alturas eles voavam.Era total a loucura para vencer o percurso que faltava.Quando se aproximavam do local, em desabalada carreira, visualizaram uma pequena multidão reunida na frente da escola que seria inaugurada.
E o pior aconteceu. Ao sair do asfalto para pegar a rua de acesso à escola, não houve condições de frear o carro.Josivaldo até tentou, coitado.A viatura derrapou como se estivesse numa estrada de sabão e foi parar, envolto em uma poeira só, quase debaixo do palanque. O Coordenador,em meio à poeira, moído de raiva e com uma vergonha de dar dó, sai da viatura todo amarrotado e coberto de pó..Para completar a cena, alguém grita do meio da pequena multidão:
- É o Senhor Coordenador de Educação!
Ele não sabia o que fazer.Ao mesmo tempo em que acenava com uma das mãos agradecendo a salva de palmas,limpava-se com a outra, sorria e fulminava com os olhos o Josivaldo. Este atordoado com a situação sai da viatura e com um orgulho quase ingênuo diz, sorridente em meio ao som de uma banda marcial desafinada:
-Viu, não disse que chegaríamos na hora certa!Eu sou o cara !
Autor Renato Hirtz
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