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segunda-feira, 23 de maio de 2011

CAUSO: A MOELA


      O dia estava ensolarado.Havia aqui e ali uma cerração característica das manhãs de inverno, nos lugares mais baixos.Com o passar das horas se dissiparia. O grupo de supervisores da Delegacia de Educação estava aposto esperando a condução que os levaria a uma escola distante do município sede.Se tudo ocorresse normalmente, chegariam lá por volta do meio-dia.
     A diretora da escola já havia entrado em contato com a Chefia da Supervisão avisando que esperaria com um almoço quase festivo o grupo de supervisores.
     Adroaldo era o supervisor administrativo.Já aposentado, por sua experiência e dedicação, havia retornado ao trabalho.Homem matreiro sabia soltar uma piada ou gozar com a cara de alguém sem formar o menor sorriso.Era terrível, por exemplo, ficar ao seu lado durante uma reunião.Falava aos sussurros os maiores impropérios e sandices que se poderia esperar. Martha e Gélica (era assim mesmo o nome desta professora) faziam uma dupla e tanto.A primeira era supervisora pedagógica e a outra, administrativa.Eram a corda e a caçamba.Não havia cristo que as separasse quando tinham que exercer suas funções profissionais.Nem imaginavam os seus apelidos: a “gorda” e a “magra”. O professor Marinho era um gaudério dos bons.gente fina mesmo.Bonachão, com um bigode de fazer inveja, misturava a pilcha gaúcha com o abrigo esportivo, já que era professor de educação física.Quando dava uma folguinha corria ao carro e tirava da porta-mala o seu violão.Milongueiro dos bons. Havia a Fabrícia e a Francisca.A primeira era uma moça magrinha de fazer dó, porém muito competente e simpatia, fazia par com a Professora Francisca, sua tia.Era uma senhora cinquentona, que se colocava como mãe de todos tanto para elogiar como para dar carraspanas se as coisas não corriam bem. Lindomara era assistente de gabinete.Moça despachada e voluntariosa.Não queria saber de nada se tivesse de comprar uma briga em nome do Coordenador.Uma crítica mal colocada e a peleia era das brabas.
     Embarcaram cedinho, os sete, com destino a dita escola. Lá pelas dez horas da manhã já apresentavam certa fadiga.Estavam cansados de ouvir os causos e piadas do professor Adroaldo.O traseiro ardia e a fome começava a incomodar.
     - Para o carro (era uma Kombi, o veículo de transporte) em uma lancheria para que possamos comer alguma coisa e esticar as pernas, seu Romualdo,falava a professora Lindomara que não conseguia ficar parada muito tempo em um mesmo lugar.
     Seu Romualdo era o motorista.Baixinho, de barba bem escanhoada, cabelo detalhadamente penteado.Parecia um cantor de boate (das brabas!). Entre “vou comer isto” e “acho que vou comer aquilo”, o professor Adroaldo olhou daqui e dali e por fim pediu uma água mineral.Sentou-se um pouco afastado do grupo das “meninas” só observando o local.
     -Me dá um pão louco de especial com salamito e um copo de café preto, pediu o professor Marinho e foi comer o “especial” em baixo da figueira que ficava na frente da lancheria. Sanduíche aqui, pãozinho com manteiga para lá, fatia de bolo àquela e Fabrícia, muito gulosa, pediu um pastel dos grandes e um refrigerante. Conversa vai e vem e Fabrícia depois de ter comido metade do pastel “saborosissímo”, elogia:
     - Espetacular este pastel feitinho na hora.Tem até azeitona preta das grandes! Neste instante, o professor Adroaldo chega na mesa das “gurias” e com um tom irônico diz: 
     - Falem baixo, pois caso contrário o cascudo que esta no pastel da Fabrícia acorda e voa!
     O silencio foi geral e acompanhado de espanto.Todas olham para o pedaço de pastel na mão da Fabrícia.Era um cascudão daqueles bem alimentados, duro e lustroso. O banheiro ficou pequeno para as “gurias” vomitarem até a alma.
     Passado o pânico e refeitas do acontecimento se dirigiram como uma “carga de cavalaria” em direção ao dono da lancheria.Este estava com um pano entre as mãos e o torcia com desespero.Encostado no balcão estava o Professor Adroaldo (com aquela cara inocente), o professor Marinho (tapando a boca para não mostrar o largo sorriso) e o seu Romualdo (com uma cara de velório). Fabrícia se deslocava socando o chão, em coro com as demais, fulminando o dono do estabelecimento com o olhar.Levantou o dedo indicador na direção do proprietário da lancheria e quando ia abrir a boca foi interrompida pelo professor Adroaldo.
     - Calma professora! Está tudo acertado.Com o pedido de desculpas do senhor aqui vai de graça o refri, o pastel e o cascudo de lembrança. Foi água fria na fervura.As “meninas” ficaram sem saber o que fazer.Os três saíram de fininho escondendo o riso de gozação pelo acontecido. As “gurias” entram na Kombi sem dizer uma palavra, com o estômago embrulhado, a fome já corroendo e a raiva à flor da pele pela atitude doProfessor Adroaldo.
     Na escola foram recebidos pela professora Miguelina, uma alemã possante que efusivamente recebeu a todos e os conduziu a uma sala de aula improvisada como refeitório. Ela tinha sido designada como diretora para aquela escola, pois havia concluído o normal rural (um tipo de supletivo para as professoras que não possuíam titulação).
     O cardápio constituía-se de canja de galinha, arroz com galinha e salada de batata com galinha desfiada.Como a fome era tanta, a canja de galinha foi consumida com grandes elogios à diretora que tinha passado a manhã preparando tudo.Só o professor Adroaldo não comia a canja colocada em seu prato, não parava de falar e quando questionado pela sua atitude, justificou que a viagem o havia enjoado e lhe tirara a fome. Fabrícia com seu apetite quase doentio pediu licença para o Professor Adroaldo perguntando-lhe se podia aproveitar e comer a canja de seu prato.O professor com um sorriso quase diabólico, coloca o prato na frente da colega e diz:
     -  À vontade colega.Se gostares de uma deliciosa canja com moela inteira, faça bom proveito!
     Boquiabertos todos se entreolharam com o rosto deformado pelo espanto. A corrida campo afora foi maravilhosa de se ver.Vômitos compulsivos,gritinhos nervosos de nojo e desmaios ocorreram.A Professora Miguelina se esvaía em pedidos de desculpas.O professor Marinho e o motorista Romualdo riam e ainda criticavam a desfeita:
     -Empurra a moela para o lado e continua comendo. Ela estava fechada, porqueira.Não tem problema.A fome é tempero de qualquer comida - falava o professor enquanto saboreava o tão badalado arroz com galinha e salada de batata,depois sorver tão famigerada canja.
     Já o professor Adroaldo sentado na sombra de uma árvore comia com prazer um pacotinho de bolachas recheadas,com sorriso disfarçado de satisfação sarcástica pronto para iniciar os trabalhos de supervisão.

Autor:
Renato Hirtz

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