ESTE BLOG É NOSSO



Este blog tem como marco referencial a Educação.
O objetivo é ser uma fonte de informação,atualização,dicas,ponto de partida para consultas, reflexões, comentários, colaborações, histórias e causos que giram em torno do ensino, da aprendizagem, de toda a sua dinâmica e de fatos correlatos que influenciam todo este processo de alguma forma.


Coluna do Renato

Imediatistas do amanhã

Das coisas todas que leio sobre educação e escolarização, suas mazelas, teorias de "tecnoeducadores", relatos de professores, pais e comparando anos anteriores com os atuais cheguei a uma conclusão.
O aluno de hoje não vive o presente, ele é um imediatista do amanhã. É uma falsa visão do futuro vazio. Quem não vive o dia de hoje não organizará seu futuro, pois não há passado e muito menos termos de comparação para priorizar ações. Nosso jovem não é imaturo ao concluir o seu ensino fundamental ou médio. Apenas não tem parâmetros da sua história passada e do seu presente. É difícil encaminhar a educação e a escolarização dentro de uma situação assim. Temos que pensar formas de contextualizar educação e a escolarização de tal forma que a produção do conhecimento não se desagregue do ontem, para que haja o entendimento do hoje e reflita de modo produtivo no amanhã.


Renato Hirtz
Setembro de 2014

Fonte da imagem:


Idéias

Mais importante do que fabricar um computador assim como todos seus efeitos sociais e econômicos foi a ideia de construí-lo. Mais importante do que a fabricação de um carro e todos os efeitos na vida humana, foi a ideia de criá-lo.
Quem tem ideias ( comumente chamado de inventores ) são as peças mais importantes dentro de todo o contexto humano.
Sempre incentivei as feiras de ciências nas escolas por onde passei e tudo o que levava o aluno a criar, inventar ou ter ideias. Fossem elas as mais mirabolantes ou até mesmo utópicas. O essencial é levar o aluno a formular ideias-pensar-criar-expor usando da informação que lhe é transmitida e através do seu conhecimento construído.
Atualmente observo que deixamos no passado este tipo de atividade onde se oportuniza a produção de ideias. Elas, as ideias, são a mola propulsora em todas as atividades do ser humano.
E as escolas que trabalham com projetos integradores e multidisciplinares incrivelmente desenvolvem no educando o processo de criação de ideias e a construção do seu conhecimento.

Renato Hirtz




Fiorela e a queda



            Uma mulher vistosa. Extremamente objetiva e excelente  no comando de uma equipe de trabalho. Sua voz rompia o silêncio dos corredores e salas da repartição pública onde trabalhava. Sempre com um sorriso nos lábios possuía uma habilidade no trato dos problemas mais simples aos mais complexos. Era uma fonte de energia e transferia  com facilidade esta capacidade aos seus comandados.

            Não havia trabalho ou problema que lhe causasse algum desconforto. Vestida com elegância, sempre maquilada e sobre seus sapatos de saltos alto somava-se a uma boa varrida numa faxina em uma sala até recepcionar com todo o cerimonial devido uma autoridade que vinha tratar assuntos profissionais. Sempre possuía uma solução na ponta da língua. Detentora de raciocínio rápido vislumbrava sempre uma alternativa de solução para algum entrave que surgisse.

            Não se descuidava de sua aparência. Social ou despojadamente  mantinha uma elegância nata. Sempre nas quartas-feiras, por força de suas horas extras, tirava um tempinho para ir ao salão de beleza para tratar seus cabelos, pele e  principalmente as unhas. Deixava toda a rotina de trabalho direcionada de tal forma que nada ficasse pendente na sua ausência.Verificava a situação de cada setor sob sua responsabilidade. Nada podia parar por estar ausente. Depois de todo um ritual de orientações e repetidas verificações de que tudo andaria em nível de excelência partia para sua sessão de embelezamento.

            Naquela tarde alguns problemas deveriam ser solucionados ao final do expediente e ela deveria retornar. Nada podia sair fora de seu conhecimento e comando. Dispensou o uso do carro. Foi lépida e faceira caminhando até o instituo de beleza. Era assim que às vezes chamava. Como já tinha uma certa idade, na sua época esta era a denominação dos atuais salões de beleza. Uma caminhada de ida e volta lhe faria bem. Entre muitos cumprimentos aos conhecidos e alguns admiradores chegou ao seu destino.

            Entre lavar, tratar e mudar a tonalidade da cor dos cabelos conversava alegremente com suas conhecidas. Ali era uma espécie de central de notícias novas e oportunidade de relembrar casos passados. Fazer as unhas das mãos e dos pés era a próxima etapa separada por um paradisíaco cafezinho. Era um momento seu. Coisa que beirava a magia de histórias de princesas. Tudo pronto e satisfeita com o resultado é hora de retornar ao mundo real. Despedidas feitas,sai em direção ao prédio onde trabalha.

            Sua sensação era de que todos na rua sabiam que ela havia saído de um instituto de beleza. Novamente entre acenos e expressões de saudações aos que a conheciam cuidava para não roçar as mãos em nada. Numa sacola iam seus sapatos. Nos pés um chinelo de dedo para não estragar o esmalte. Deveria ficar bem seco para voltar a calçar seus habituais sapatos de salto alto. A cor do esmalte contrastava com a cor de sua pele. Ficará muito bonito.

            Atravessando uma rua e outra, passando pelos transeuntes com cuidado para não pisarem em seus pés chegou a uma parada de ônibus. Ali se aglomeravam muitas pessoas na expectativa da chegada dos coletivos. A calçada ocupada no seu todo impedia a sua passagem. Desviou para o leito da rua e o bendito chinelo de dedo solta uma das tiras. O desequilíbrio foi inevitável. O tropeço mais ainda. E diante de uma pequena multidão, Fiorela, desaba. Foi ao chão por inteira.

            Socorrida por alguns cidadãos prestativos ergueu-se tentando manter sua altivez e sorriso machucado e embaçado pelo tombo. Agradecida segue quase em disparada na direção do local onde trabalhava. Sacola rasgada,chinelos na mão,joelhos esfolados e cabelo desfeito era o verdadeiro quadro da dor e sem a moldura. Poderia ter quebrado um dos pés ou uma das mãos.Quem sabe um braço. Imagina se tivesse contundido o rosto.           

            Sua chegada na repartição foi um alvoroço. Sua situação gerou as mais diversas reações. Das tradicionais expressões de espanto até risos contidos  giravam em torno da chefe. Entre encontrar paninhos e água para lavar os machucados, escova para reparar o penteado e palavras de consolo ouve-se as primeiras palavras de Fiorela.

            - Calma gente. Calma.Vamos manter a calma. Foi só um susto. Ainda bem que consegui salvar o esmalte das unhas das mãos e pés ! Ainda bem. Nenhum arranhão no esmalte ! O cabelo se dá um jeito. Vamos voltar ao trabalho.

            E lá se foram todos de volta a rotina.





(Renato Hirtz – 2012 – Lembrança de um fato real)
           



Geração do Eu




              Interessante como os conflitos de gerações permanecem ao longo do tempo, mas com instrumentos diferentes. Houve um tempo que os conflitos de gerações se originavam pela forma da expressão musical que determinavam os padrões de comportamento da nova geração. Logo adiante a moda ditava a forma de se rebelar contra os paradigmas da geração anterior através de roupas extravagantes, uso dos cabelos cumpridos pelos homens e o uso de entorpecentes. Uma ridicularizava a outra por seus comportamentos tidos como ultrapassados ou absurdos. Por aí, e sempre as gerações antecedentes conflitavam com os novos rumos das gerações seguintes. As duas absorviam com relutância o antigo e o novo.

                   Estas influências entre uma e outra geração foram seguindo seus passos e configurando padrões sociais, políticos e econômicos. A geração Baby Boomers compunha-se daqueles que traziam em sua conduta a consideração ao próximo, seguidora dos valores morais, forte civismo, possuidora de religiosidade e apego as tradições e coletivamente participativa. Surgia logo após a II Guerra Mundial e por todo o contexto trazia as sequelas do horror do combate bélico. Aí possuir a característica da fraternidade pós-guerra. Porém com o passar do tempo tornou-se, aos olhos dos seus descendentes uma geração de caretas,

            Com o desenvolvimento tecnológico e industrial surge a geração X. Preocupada entre tantas outras coisas com a liberdade do indivíduo, traz consigo o impulso do consumismo diante de tantas ofertas que se apresentam. O poder de compra é foco. E para tal o dinheiro é buscado de forma compulsiva. Com ele vem à preocupação com o brilho de sua imagem social e, por conseguinte alcançar a fama diante do contexto onde está inserido. Há um afastamento dos valores da geração Baby Boomers. Alguns estudiosos falam da geração “do umbigo”. Cada um engajado em suas perspectivas afastando-se do coletivo. O que mais importa é obter muito dinheiro, muitas vezes sem preocupações com a forma, para obter os prazeres da tecnologia. Há uma nítida desilusão com a forma de encarar o mundo da geração anterior. A preocupação com os outros e vista como uma forma ultrapassada originando uma decepção ao sentir que àquele também está usando-o para ultrapassá-lo em seus objetivos.

             A geração Milennials (geração Y) tem em suas mãos o processo tecnológico muito mais acelerado colocando a sua disposição recursos e ferramentas incrivelmente produtivas e prazerosas. Os valores externos são muito mais importantes do que os valores internos, não importando mais os enfadonhos discursos sobre moral, sentimentos e filosofias de vida e religiosidade. Embora, se estes discursos servirem para obter uma situação financeira melhor poderá ser seguido até por ali. A desconfiança passa a ser um dos focos do comportamento. O sujeito que está ao meu lado é ou não é meu algoz? Ou quem sabe será ou não o meu algoz para obter minha situação financeira, meu cargo ou posição social? As relações se estabelecem como um contrato onde a unilateralidade da vantagem seja minha. O companheirismo e amizades se estabelecem por conveniências da manutenção do status, no mínimo, ou na busca da ascensão seja ela qual for. Ganhar dinheiro é o objetivo.

            Nos dias atuais o consumismo é crescente por consequência da agressiva e massiva influência dos meios de comunicação. De toda a ordem novos produtos e formas de manter a imagem, status e tudo mais são lançados diariamente no mercado. A individualidade que foi determinada pela internet e por todo o seu contexto provoca a solidão produtiva e benéfica. Somos parte de grupos virtualmente. As amizades e as relações passam a ser exercidas através de redes sociais. Num paradoxo, somos um grupo formado por uma cadeira, telas e teclados que interagem com o mundo lá fora. Eu aqui e os outros individualmente lá fora. É a geração Generation Me. Aquela do “faça você mesmo”. Ela absorve esta nova juventude que nasceu junto ao computador e sob o domínio da tecnologia. E para isto é necessário ganhar muito dinheiro em detrimento de todo o resto. Ela passa a descrer das instituições, das autoridades, do sentido de família, de regras e leis. A crença é em si mesmo. Nada mais é relevante do que o “eu próprio” que tenho acesso a tudo e a todos muito mais do que qualquer outro. As gerações passadas e seus preceitos básicos são ridículos e ultrapassados. O mundo é dos Generation Me. Autossuficientes e incrivelmente adaptados a si mesmo. O mundo é daqueles que não tem modéstia. Se há equivocados, errados ou incoerentes... são os outros. Sempre os outros. Não há tempo a perder com divagações. Hiperativo, produtivo e proativo.

            Há muitos pontos positivos em todo este processo?  Não podemos negar. E como será a próxima geração. Melhor ou pior do que esta? Vamos aguardar, solitários, para ver.



Renato Hirtz

Maio/2013     


Ler ou não ler, eis a questão





                Às vezes me pego tamborilando os dedos sobre o teclado. A vontade de escrever um texto sobre determinado assunto esbarra em um questionamento que teima em surgir cada vez que isto acontece. Quem vai ler? Quem vai se interessar sobre aquilo que escrevo? O motivo de tudo isto esbarra numa avantajada muralha de informações que estão a nosso dispor na internet. A internet veio dinamizar a troca de informações. É muito rápida a veiculação de notícias, crônicas, comentários e tantas outras formas de dizer alguma coisa. É óbvio que o volume é imenso. Em contra partida observa-se que as pessoas estão cada vez mais saturadas deste volume de informações e trazem sequelas do hábito de não gostar de ler.

                Penso nos dias de outrora, não de forma melancólica. Longe disto. Lembro-me de como as comunicações eram realizadas. Você queria se comunicar com um parente, ou fazia por um gigantesco aparelho telefônico (comparado aos dias de hoje) ou através de uma carta levada diligentemente por um carteiro. Pior quando o amigo, parente ou sua amada não possuía o telefone. Cartas que levavam dias para chegar e esperarmos outros tantos para a resposta. As notícias mais atualizadas eram do final do dia anterior. O meio mais rápido, na época, era o rádio. Notícias quentíssimas eram narradas de forma pomposa e sem nenhuma interatividade possível. O que se poderia fazer era escrever uma carta ou telefonar para participar de forma tímida com a emissora. Eis novamente os dois baluartes da comunicação: o telefone e as famosas missivas.

                Hoje, quando abro minha caixa de e-mail aparece uma avalanche de comunicações. São aqueles que comunicam novos trabalhos científicos realizados, outros que enviam sugestões de como encarar a vida, os indesejados que ofertam desde jantares até utilidades para o lar com lucros tentadores e os cheios de humor com piadas envelhecidas pelo tempo e pela repetição. Há os enviados por amigos que insistem na sua participação em correntes do bem ou do mal e os absolutamente fanáticos por este ou aquele partido que tentam, pela repetição, fazerem com que suas convicções políticas se alterem e você se filie e levante a bandeira política dele. Recebo também, e-mail dos inventores de notícias que vem trazendo a última que aconteceu com um famoso e completa com uma foto montagem feita no Photoshop. E no final observa que a fonte da informação é extremamente segura. E por aí vai.

                E nas redes sociais a coisa pega. É uma fonte riquíssima para estudos profundos de psicologia, sociologia e antropologia. Chegaria ao ponto de dizer que psiquiatras usam destas redes sociais para fazer análises gratificantes do comportamento humano e suas mazelas. Ali se acha de tudo. E os mais frenéticos “rede socialistas” não medem esforços para que sejam lidas e curtidas suas informações. Claro, bloqueamos os indesejados nas redes sociais e nos contatos de e-mail, assim como aqueles que seguimos no twitter. Não somos masoquistas ao ponto de suportar com prazer informações de origem descabida ou sem conteúdo.

                Com tudo isto, volta a minha indagação inicial. Escrevo? E quem vai ler. Assim como eu não tenho todo o tempo do mundo para assimilar este volume de informações e passo batido por cima de muita coisa... quantos não fazem o mesmo. Por uma série de motivos as pessoas não suportam mais explicações detalhadas ou textos medianamente longos. No cotidiano, até por ser professor, quando vou explicar alguma escuto com frequência a expressão: “resume”. Um aviso com mais de 3 linhas não é de todo lido. A informação tem que ser rápida e com isto o conhecimento se torna cada vez mais superficial para a grande maioria.

                Se você chegou até... que bom. Você ainda tem paciência para ler e não aderiu à nova moda: “resume”.



Renato Hirtz

Maio/2013



Síndromes do século 21



                Interessante observar alguns posicionamentos das pessoas diante de situações em suas relações interpessoais. As atitudes tomadas mudam a cada tempo e elas se deixam envolver por verdadeiros modismos que pensam facilitar o convívio na sua vida particular ou profissional. Ao contrário, provocam improdutividade, conflitos e tornam-se indivíduos intragáveis ao trato e a beira do ridículo. Até por que trazem em sua bagagem certo grau de incompetência e frustrações pessoais e transfere isto aqueles que inevitavelmente tenham que conviver com elas. Na realidade tornam-se soberbamente insuportáveis quando portadoras destas síndromes da moda.

                Uma das “disfunções” a que me refiro é a Síndrome do Noé. Esta enfermidade atinge aqueles que adoram passar suas responsabilidades ou até mesmo seu alto grau de má vontade para a pessoa mais próxima ou àquele seu desafeto na organização em que desenvolve suas atividades. Nunca nada que é questionado ou solicitado é de competência dele (até por que não há possui). Sempre o assunto ou a resolução de um problema é com o próximo. Aliás, ele adora o próximo na medida em que este se ferra trabalhando mais do que ele. A sua expressão é característica e diagnostica sua doença ao ter na ponta da língua a expressão “no é cumigo”. O cidadão entra numa repartição e faz uma saudação de bom dia e ela salta do seu lugar dizendo “no é cumigo”. E já trata de indicar com quem devemos contatar. É o retrato da má vontade faltando apenas um button com as iniciais MV. Leia-se Má Vontade. O pior quando perde seu tempo argumentando um rol de justificativas do seu impedimento em atender ao solicitante. A justificativa mais expressiva é estar extremamente atarefada e com um descabido acúmulo de trabalho.

                Outra terrível mal que vem crescendo assustadoramente é a Síndrome da Gabriela. Os sintomas levam a recordação da letra da música que diz “eu nasci assim, eu cresci assim...” É o ícone da falta de estrutura emocional e da má educação. A pessoa em seu delírio se diz autêntica, de personalidade forte, verdadeira e que diz aquilo que pensa. Devemos suportar todos os seus desmandos verbais de forma pacífica e até pedir desculpas quando ousamos levá-la ao entendimento de que certa atitude não foi a mais correta para determinado momento. “Eu sou assim, sempre fui assim direta, franca e digo o que penso”. E ela tem seus defensores que chegam até nós contemporizando que devemos entender as pessoas, pois a fulana é daquele jeito. Argumentam que ela necessita de entendimento, de paciência e que esta característica é difícil de alterar. E nós? Onde vamos buscar um tratamento para exorcizar sérias crises que ela provoca com sua conduta? Precisamos ao contrário delas ter um alto grau de paciência e educação para conviver com estes enfermos que veem a impossibilidade de mudar ou no mínimo possuir a sensibilidade no trato com aqueles que convivem. A convivência se estabelece para que possamos evoluir e a evolução deve ser sempre para melhor. Caso contrário é deletéria.

                “Alguém me disse” é outra síndrome que afeta grande parte das pessoas. Ela possui outros nomes vulgares como “Me contaram” ou “Fiquei sabendo”. É extremamente maligna e surge em momentos impróprios de nossa rotina diária. O portador deste mal gosta de conversar em corredores e locais ermos de uma repartição. Normalmente não gosta de muita gente ao seu redor. Sua preferência é pelos sugestionáveis colegas e amigos. Ele dispara suas frases “alguém me disse que a fulana... não sei se é verdade...” e sai estrategicamente. A semente da maldade está plantada. Pronto. Orgasticamente satisfeito aguarda a confusão ser formada. Caso venha a ser inquirido por terceiros ou envolvidos de onde ele tirou seu dito usa descaradamente a frase inicial “alguém me disse... não lembro quem...”. Pior é quando introduz no orifício anal de quem nada tem haver com o caso a origem de sua informação descabida. Infelizmente não assume nunca o que diz e sempre joga a confusão armada no colo de um terceiro.

                Existem muitas outras síndromes nas relações interpessoais. Para não alongar muito o comentário vamos a mais uma. Esta é a que provoca os maiores entraves na modernização, produtividade e resultados positivos. É a denominada de “sim tá bom”. Outros nomes a identificam: “sempre foi assim”, “decha sim”. O enfermo tem uma insustentável incapacidade de aderir ao novo. Detesta transformações, alteração ou inovações. Primeiro por que tem certo nível de dificuldade para aprender e utilizar novas tecnologias. Segundo possui um apavorante medo de que estas alterações lhe acarretaram um saldo maior de trabalho. Os colegas tem que suportar sua morosidade tanto intelectual como produtiva. O que poderia ser realizado em minutos ele leva horas com sua caneta esferográfica, lápis preto nº 2, uma borracha e papel carbono. Este é seu kit de trabalho. Até mesmo uma modificação do layout no escritório lhe provoca de náuseas a uma inquietação que chega as raias de uma crise de pânico.

                E assim vamos nós entre trancos e barrancos aguentando estes enfermos com os quais temos que conviver e pior, possuem plena certeza que fazemos parte de um grupo de desumanos que não possuem as mínimas condições de viver em sociedade.

Renato Hirtz - janeiro de 2013

               

               
        

Pedagogia e Andragogia – qual a diferença?

            Pelo uso da palavra, todo tem uma ideia do significado de Pedagogia. Ela tem origem grega. Paidós é criança e agogé significa conduzir. Na realidade eram indivíduos sob a condição de escravos que acompanhavam as crianças em suas atividades. Nos tempos atuais, Pedagogia, é usada para a graduação em licenciatura que formará o pedagogo. No seu âmbito de estudos há disciplinas filosóficas, científicas e técnico-pedagógicas. Até bem pouco tempo conhecíamos este profissional atuando na equipe diretiva de uma escola, interligando e interagindo com toda a equipe profissional de um estabelecimento de ensino. O conjunto formado por estes profissionais que atuam diretamente no processo de escolarização e educação tem como orientador o que denominamos atualmente de pedagogo escolar. Ele atua para que o processo pedagógico seja dinâmico, atual e produtivo pra ao educando. Pedagogia num conceito bem amplo é a arte e a ciência de ensinar crianças. Nos dias atuais, a atividade profissional de um pedagogo não se restringe ao âmbito escolar, apenas. Sua inserção profissional tem uma gama de possibilidades. A indústria, o comércio, a assistência social e muitas outras áreas de atividades que necessitem de um processo educacional utilizam-se dos seus conhecimentos para uma produtividade com ganho real.

       O que há de novo nesta área de atuação é o tipo de indivíduo que vai participar do processo educacional. Tradicionalmente a pedagogia, como vimos, tinha seu foco na criança. A aprendizagem então segundo Knowles, seguia um modelo padronizado. Todo o processo era de responsabilidade do professor para as decisões sobre o que será ensinado, como será ensinado e se foi aprendido. É a educação dirigida pelo professor, deixando para o aprendiz apenas o papel de submissão às suas instruções. E o pedagogo tinha muito mais um papel de supervisor do que estava sendo ou não cumprido, do que qualquer outra coisa. Existiam mecanismos e posicionamentos quase que inflexíveis por parte dos educadores em relação ao seu pupilo. Acreditava a pedagogia, ser a educação centrada no professor e da responsabilidade dele o que deveria ser aprendido pelo educando. Isto ocorria devido a uma visão antiga de que o aluno chegava à escola muito inexperiente e sem bagagem de conhecimentos. Não se abria espaço para a criança ou o adolescente contribuir com sua parcela na construção de seu próprio conhecimento. Os programas ou conteúdos curriculares eram inflexíveis e uniformes. Ele era tratado como um ser passivo que deveria aprender aquilo que era estabelecido pelo seu educador.

     Segundo Malcolm Knowles, a pedagogia era focada em aspectos que tornavam a educação “envelopada”. Malcolm considera para uma analise do processo pedagógico fatores como: a necessidade de conhecer, autoconceito do aprendiz, o papel da experiência, prontidão para aprender, orientação para aprendizagem e a motivação. Quanto à necessidade de conhecer os educandos necessitam saber somente o que o professor tem a ensinar, se quiserem a aprovação. Como aplicarão estes conteúdos na sua vida futura não era levado em conta. O conceito do professor sobre o aprendiz é o de uma pessoa dependente que necessitava ser “adestrada”. Este era o autoconceito, um ser dependente. A experiência do aprendiz não era levada em consideração. Não havia significado para sua aprendizagem. O que era levado em conta era o conteúdo que o professor transmitia e o que estava escrito nos livros. Daí a imperiosa necessidade das técnicas de repetição, memorização, leituras, dever de casa e tudo o mais que levasse o aluno a decorar as informações transmitidas. Nisto tudo se concentrava a metodologia da aprendizagem ou pedagógica. Ou o aluno aprendia o que lhe era transmitido ou era retido no seu nível até apresentar a capacidade de promoção, isto por que a orientação para a aprendizagem se baseava em numa estruturação padrão de conteúdos programados ou programáticos dentro do planejamento pedagógico. A lógica que acompanhava a distribuição dos conteúdos era a da visão pedagógica da época e a motivação do alunado partia da obrigatoriedade de alcançar uma média padrão obtida através de provas, testes, trabalhos e exercícios de repetição.

          Ainda se encontra, em muitas instituições de ensino nos mais diversos níveis estruturas, planejamentos e professores que se utilizam desta prática educacional para realizar a escolarização de seus alunos. O mais impressionante, ainda nos dias atuais, é encontrar profissionais da educação em ambiente acadêmico que pauta seu exercício profissional nesta linha de pensamento. Ele é o ator principal e os seus alunos desempenham o papel de coadjuvante. Nestas últimas décadas grandes mudanças houve na visão de um processo educacional (ou pedagógico) mais democrático. Democrático no sentido de que a dinâmica pedagógica deve ser uma via de duas mãos. Aquele que ensina também aprende com seu s pupilos. Já vai longe (findou em 1968) a imagem do professor catedrático que tinha o saber e a verdade em suas mãos como algo findo. A educação evolui muito com o surgimento de novos teóricos.Ao mesmo tempo há uma incompreensão na aplicabilidade destas novas teorias. Se junta a isto o descaso do poder público no investimento e adequação as novas tecnologias e processos educacionais. Soma-se, enfim, a tudo isto a desvalorização do magistério como um todo.

      Com as novas visões de mundo, a necessidade de especialização profissional com o objetivo de melhores salários e condições de vida o educando começaram a transformar as suas características. As turmas, em sala de aula, já não mantinham o antigo padrão de faixa etária. Cai por terra a relação entre faixa etária e nível de aprendizagem. Os mais velhos, que não tiveram oportunidade de aprender na “época devida” retornam a sala de aula. Muda o padrão da antiga escola. Na mesma turma várias faixas etárias, objetivos diferenciados e bagagem de experiências diferenciadas. Há uma enorme distancia, conforme os aspectos levantados por Knowles, entre uma criança que inicia sua alfabetização, o jovem que está no ensino médio e o adulto que irá se alfabetizar ou terminar seus estudos. Os aspectos psicológicos, sociais e individuais são extremamente diferentes. Obvio que as propostas de vida de uma criança, jovem e o adulto são muito diferenciadas. E o professor continua sendo o mesmo e as escolas com sistemas de ensino com as mesmas técnicas, dinâmicas e pressupostos para as diferentes faixas etárias.
                 
            Surge então, a Andragogia (do grego: andros - adulto e gogos - educar). É um caminho educacional que busca compreender o adulto. É a arte ou ciência de orientar adultos a aprender (definição creditada a Malcolm Knowles, anos 1970).  Usa-se este vocábulo para designar a educação voltada para o adulto, em contraposição à pedagogia, que se refere à educação de crianças. Esta nova forma de educar vem provocar uma nova visão do processo educacional. KNOWLES, 1970 definiu este novo caminho como “a arte e ciência de orientar adultos a aprender”. Há uma reviravolta nos conceitos educacionais e inicia-se o processo da construção do próprio conhecimento, respeitando as individualidades dos alunos, suas experiências de vida pré-escolar e durante seu processo de escolarização. O professor passa a ser um orientador, moderador ou tutor da construção do conhecimento de seu pupilo. CONNER, 1997 diz que a Andragogia veio oferecer uma nova alternativa para pedagogia e refere-se à aprendizagem em qualquer idade focada no estudante e não no professor. É o aprender fazendo. Professor e aluno passam a ter uma responsabilidade compartilhada na aprendizagem. Pierre Fourter (1973), diz que esta alternativa é um conceito amplo de educação do ser humano, em qualquer idade.

Eduard Lindeman (1926) identificou pontos-chave para a educação de adultos, mais tarde transformaram-se em suporte de pesquisas. Hoje são fundamentos da moderna teoria da aprendizagem de adulto. “A orientação de aprendizagem do adulto está centrada na vida; por isto as unidades apropriadas para se organizar seu programa de aprendizagem são as situações de vida e não disciplinas. A experiência é a mais rica fonte para o adulto aprender; por isto, o centro da metodologia da educação do adulto é a análise das experiências”.Cavalcante (1999) estabelece as diferenças entre a Pedagogia e a Andragogia.Segundo ele, na Pedagogia  os objetivos são definidos e formulados pelo professor. Já na Andragogia os objetivos são negociados com a participação livre e crítica do estudante. Vale ressaltar que pedagogia e andragogia não se apresentam como formas antagônicas de ensino e sim como práticas complementares (SILVA: 2004). Na verdade as duas concentram-se na a arte e ciência de ensinar e conduzir as pessoas tenham elas a idade que for.

RenatoHirtz
Dezembro 2012 





Da informação ao conhecimento

                Muitas vezes questionei a diferença entre uma pessoa bem informada de outra que possui conhecimento. Já encontrei pela minha trajetória de vida muitas bem informadas e que não possuíam nenhuma habilidade no manejo destas informações. Outras apresentavam uma capacidade de desempenho em determinadas funções sem ter quase nada de informações sobre aquilo que estavam fazendo.

                Há poucos dias li um artigo publicado na Harvard Business Review onde Davenport definiu conhecimento como a informação interagindo com 4 fatores importantes: a experiência, o contexto, a interpretação e a reflexão. Estes combinados entre si resultam na utilização da informação para que possamos agir tomando decisões produtivas em nossas vidas. É improdutivo termos uma grande quantidade de informações sejam elas específicas ou genéricas se não obtivermos um produto seja ele econômica ou socialmente aproveitável. Em resumo, a informação deve ser vivenciada para gerar conhecimento. Ela vem estruturada como pequenos blocos e muitas vezes embutidas de sutis sugestões ou manipulações conforme as tendências da fonte de origem. São dados inertes e só produzem efeito quando manipuladas e interpretadas. Foray enuncia que “o conhecimento é uma questão de capacidade cognitiva”. E capacidade cognitiva envolve os 4 fatores citados anteriormente. Outro aspecto interessante que distingue um de outro é sua forma de aquisição. A informação é adquirida a um custo muito próximo do zero. Raramente requer um esforço maior do que a leitura de um jornal assistir um programa de televisão ou uma palestra. Por mais interessante que seja nos embute na mete dados inertes. Já o conhecimento é gerado, produzido por vias mais complexas, como já vimos. Há um esforço relevante que envolve esta construção. E pior, este intricado processo de construção de um conhecimento é extremamente difícil de ser comunicado a outros. Esta passagem quase inexiste. Cada um tem que passar pelos fatores envolventes que, sendo repetitivo, são a experiência, o contexto, a interpretação e a reflexão. 

                Aí relembro meus saudosos dias de professor e minhas leituras atuais sobre a Educação (prefiro falar em Escolarização) e as ideias ditas inovadoras sobre ela. Percebo que continuamos insistindo na relação professor/aluno. Um ensina e o outro aprende. O que ensina ou tenta repassar informações ou conhecimento. O outro deve mostrar que possui capacidade de acumular informações ou reproduzir teoricamente o conhecimento. Na verdade o caminho é a construção do conhecimento. Ela é individual, sem tempo determinado e dentro de um contexto que engloba as relações interpessoais, com objetivos comuns. É necessário a vivencia na prática a partir de informações fornecidas ou buscadas nos mais diversos veículos midiáticos. È imprescindível direcionar esta construção do conhecimento para comunidades afins dos mesmos interesses práticos.




Renato Hirtz
Novembro de 2012 

Fonte da imagem:




Casamento romântico

As transformações sociais são muito sutis. Os anos setenta marcaram uma mudança que venho se desenhando aos poucos e se transformando numa nova forma de relacionamento. Houve um movimento muito forte da libertação feminina.Este foi resultado de uma caminhada que teve seu início em anos anteriores sob forte pressão até mesmo das próprias mulheres. Regras, tabus e lendas sobre o universo feminino começaram a ser questionadas e quebradas por este movimento.

                Os séculos anteriores ao vinte impunham um contexto machista ao comportamento feminino e seu papel na sociedade. Todo o desempenho da mulher como parte integrante da família, nas suas relações sociais e por ventura nos seus vínculos empregatícios era limitado por regras rígidas que permeavam o empírico até o âmbito religioso. Havia limites que estabeleciam um padrão moral e ético da mulher. Na esfera judicial ainda há resquícios de uma legislação que beneficiava o homem em detrimento ao lado feminino. Deveres eram muitos e direitos quase nada.

                As obrigações matrimoniais vinham carregadas de funções e responsabilidades muito mais para o lado da mulher impondo rigorosos castigos ou provocavam escândalos quando não cumpridos. A educação familiar calcava uma orientação neste sentido.Ao homem tudo ou quase tudo.A mulher, quem sabe, além das prendas domésticas a sorte de ser professora ou membro de uma associação religiosa firmemente observada pelos seus pares.

                E por aí podemos dar inúmeros exemplos do papel quase insignificante da mulher na sociedade humana. Porém,com o passar dos anos, com os movimentos feministas e toda a tecnologia que foi se agigantando e facilitando a comunicação de massa a mulher foi conquistando o seu lugar em meio a tudo isto.E ultrapassou muitas barreiras. Hoje assume postos antes nunca sonhados nem pelo homem e muito menos por ela mesma. E exercendo atividades nunca imagináveis, aproxima de si tensões, problemas e até mesmo doenças que eram típicas da atividade masculina.

                E neste turbilhão da liberdade busca freneticamente manter a liberdade conquistada e almejar sempre mais. E aí surgem as primeiras mudanças na relação homem e mulher. E com tudo isto o dia de uma mulher tornou-se muito curto para tudo o que ela deseja fazer. O trabalho, a carreira, quem sabe mais um curso de aperfeiçoamento, os filhos, o marido e as lidas da casa. Pouco tempo. Com isto as mulheres mais jovens estão optando por sua carreira em detrimento de uma vida conjugal que chamo de casamento romântico. Elas estão estabelecendo relações com seus parceiros de forma contratual. Uma das cláusulas é exatamente o não comprometimento de sua relação com o outro em função de seus objetivos de vida. E elas assumem este propósito, muitas vezes, sacrificando até mesmo aqueles bons momentos de romantismo.

                A mulher como ser humano tem, também, a necessidade de crescer intelectualmente e profissionalmente. Penso que ela deve ser independente.  Sou a favor da igualdade entre os indivíduos seja qual for a sua opção sexual. Uma relação entre duas pessoas é feita por concessões, trocas e aprendizados. Deveria ser um horror aqueles casamentos arranjados dos séculos passados onde um suportava o outro em nome das convenções sociais e obrigações matrimoniais. O que vislumbro é o fim do casamento tradicional, dentro das convenções sociais onde o homem era a cabeça da família e a mulher o esteio do lar. Aquele par de eternos namorados que passeiam pelos jardins e parques de mãos dadas. As trocas de gentilezas e caricias não serão mais vistas. Quem sabe até aquela mesa bem para o almoço de domingo que congregava os partícipes da família sejam raras, regadas a um bom macarrão, galeto e salada de maionese. O ritual de preparar-se para deitar e dormir juntos não sejam mais feito pelo par. E tantas outras atividades que aproximavam o casal se extingam.

                Pela velocidade adquirida pelos compromissos, tanto do homem como da mulher, não há mais tempo para detalhes. Responsabilidades se acumulam as soluções não esperam e a produtividade aponta a linha de chegada. Nada pode impedir a caminhada. Se o parceiro não acompanha o melhor a fazer é dispensá-lo sabedor que tenho a minha independência garantida. Filhos não são bem vindos nesta etapa e se vierem para tomar muito tempo disponível é melhor não tê-los. Não há mais relação de identidade com a casa que não há tempo para arrumar. A casa é coordenada e tem a face da diarista que toma conta deste departamento. As amizades e relações sociais são feitas em meio às atividades via dispositivos midiáticos. Entramos num redemoinho dirigido por um sistema (chamo eu) consumista. Uma guerra de poder. O melhor carro, o melhor aparelho de TV, o melhor isto e aquilo. Tudo do bom e do melhor que pouco uso, mas possuo. Até o sexo deve ser muito rápido e rapidamente dar prazer. Se não der prazer aqui, talvez encontre logo ali. 
                Não se estabelece relações duradouras que venham atrapalhar o foco das metas propostas. Tudo feito muito às pressas para não perder tempo. E vão se perdendo momentos inesquecíveis em troca de momentos fúteis e vazios. A relação mais duradoura que se observa é com as cartelas de antidepressivos e ansiolíticos. Este é a estrada pela qual caminhamos.

Renato Hirtz
Outubro de 2012. 

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Mito da Caverna e a possibilidade de vivermos uma realidade simulada

                                                                                                                        

                Tentei recordar o nome de um livro que li em minha juventude, mas a memória não me ajudou. Era um conto de ficção onde o autor desenvolvia a sua história em torno de um mundo controlado por uma grande máquina. Ela gerenciava desde as condições atmosféricas para a possibilidade da existência e continuidade da vida até o comportamento humano. Tudo era comandado por este potente artefato com inteligência. O layout do ambiente, a formação e informações que cada ser vivente deveria trazer ao nascer e por aí ia se formando a história deste mundo. E todo o complexo funcionava sem a percepção da programação que se desenvolvia, haja vista que os indivíduos vinham com diferentes níveis de raciocínio e com limites previamente estabelecidos. 



                Não vou contar o livro todo. O fato interessante está nos acontecimentos programados para reequilibrar o sistema e evitar danos à programação. As guerras, as doenças, a violência e tudo mais eram intrigantes interferências que colocavam em perigo o funcionamento correto do esquema estabelecido. Era necessário eliminar estas interferências fossem eliminadas. Eram inseridas pequenas ações de correção. Espécies eram extintas, populações eliminadas e tantos outros comandos com objetivo de equilibrar todo o processo e mantê-lo funcional.

                O que me fez lembrar isto foi a leitura poucos dias atrás das pesquisas realizadas no campo da física quântica. Dentro destas pesquisas uma delas se refere à possibilidade de vivermos uma realidade simulada. Tal qual o livro que citei antes, a maioria das pessoas e de estudiosos das diversas áreas do conhecimento humano se referem a isto como um delírio da ficção científica ou como uma blasfêmia contra todos os dogmas religiosos.  Imaginem o universo, o nosso mundo e nós, seres racionais dotados de inteligência resultados de um complexo sistema que determina toda a nossa realidade ou quem sabe a nossa irrealidade.



                Um grupo de pesquisadores da Universidade de Bonn, na Alemanha, desenvolveu um método para identificar se o mundo que percebemos é mesmo real. Os cientistas liderados por Silas Beane, da Universidade de Bonn na Alemanha são os revolucionários que acreditam na tese de que o nosso universo pode ser  uma simulação numérica feita em um computador insanamente poderoso. Ele parte,entre outros estudos das teorias de dois filósofos importantes: Platão e Descartes.O primeiro,com sua criação do Mito da Caverna (onde nosso mundo seria uma projeção de um mundo perfeito ) e o segundo pela sua citação de que tudo que a gente vê e sente poderiam ser sensações criadas por  um ser.Juntando  tudo isto ao conhecimentos da física quântica tenta provar ( ou não ) que fazemos parte de um mundo simulado.



                Não vou entrar na intricada explicação da teoria da cromodinâmica quântica (TCQ), de nanos, mícron, quarks e glúons. Deixo para os físicos,pois não é minha área.Meu objetivo é fazer as pessoas refletirem sobre muitos acontecimentos de nossas vidas que parecem programados.Há até expressões que usamos cotidianamente como “tinha que acontecer assim”.Quem sabe lá os acontecimentos que estão ocorrendo, a maioria inacreditáveis, seja na área do comportamento humano ou as grandes catástrofes não sejam erros nos comando da programação da matriz? Poderia levar este devaneio a acreditar que os desvios de conduta do homem sejam interferências virais alterando comandos e resultados? Ou, a história do final do mundo tão falada seja um processo de reformulação do sistema e dos softwares eliminando arquivos mal intencionados, dados nocivos e elementos que não estão respondendo e correspondendo a programação estabelecida pela matriz.



                Deixo mais uma questão para reflexão. Quem será o programador desta realidade simulada? Quem será o controlador deste universo que pode ser uma simulação numérica feita em um inacreditável computador potentíssimo? E nós, seríamos as estações ou terminais que deveriam manter o controle do mundo em que vivemos e estaríamos falhando?



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Os caminhos ou trilhas pedagógicas

Na minha caminhada como profissional da educação sempre argumentei que um planejamento pedagógico eficiente deveria se basear em projetos interdisciplinares. Estes projetos deveriam ser instigantes e permear todas as disciplinas, professores, alunos e a comunidade em que o processo educacional está inserido. Nada mais produtivo do que a aplicação do antigo e até hoje usado método científico.
É de comum acordo entre todos os agentes da educação que a curiosidade é a mola propulsora da aquisição de conhecimento e a inserção da metodologia científica na busca da formulação de uma resposta a um questionamento leva o educando a palmilhar um caminho lógico para elaborar sua resposta. Tendo o professor como orientador do caminho e das alternativas de soluções do problema levantado, vai estimulando o aluno a buscar nas hipóteses levantadas e na experimentação a avaliação de resultados baseados na estrutura que a escola disponibiliza para chegar as suas conclusões.
A descentralização do poder de aprendizagem leva o professor do papel de transmissor de conhecimentos para uma posição muito mais atuante de orientador, tal qual uma bússola que norteia e estimula o aluno a construção de seu conhecimento. O aluno adquire a posição de um mestre de obras colocando na prática a planta traçada pelo seu orientador, hoje chamado de tutor educacional. Nada disso terá o efeito desejado se não houver a interdisciplinaridade e a intersetorialidade educacional. Ou seja, a escolarização assim realizada deverá ter a participação de todos os professores, nas suas respectivas disciplinas interagindo e complementando esta construção. Da mesma forma, todos os setores da escola devem estar imbuídos desta ação colaborando setorialmente seja de forma presencial ou digital. Da equipe diretiva que vai planejar as ações, da equipe de supervisão pedagógica que vai gerenciar o processo, biblioteca, audiovisual, informática que irá disponibilizar o acesso a redes sociais e internet, e por aí vamos.
A construção do conhecimento neste processo necessita de um fechamento. O aluno poderá ser avaliado de forma globalizada, até por que já vivemos este processo, e não de forma individual. Isto elimina uma forma indireta de exclusão, onde um aluno com dificuldades em matemática tivesse uma retenção em determinada série, apesar de demonstrar conhecimento nas demais disciplinas. Até por que conhecimento desconhece o processo de subtração.Conhecimento se adiciona na medida de nossa necessidade. E,por final,o aluno terá uma avaliação final onde terá que divulgar todo o conhecimento  adquirido. Hoje,chamamos de socialização. Aqui o educando compartilha seu conhecimento com seus pares e tutores.
Para a grande maioria dos professores e escolas que já trabalham com projetos trimestrais ou semestrais isto não é novidade. Têm perfeita noção de que este tipo de atividade funciona e vai além das expectativas de um prognóstico pedagógico. O aluno tem a chance de se descobrir e de se superar  descobrindo habilidades desconhecidas e o tutor educacional  identificadas estas habilidades reforçá-las e projetar um mais além.
Trilhas pedagógicas é o novo nome para esta modalidade conhecida há bastante tempo e pouco usada, pois há um volume maior de trabalho e de comprometimento no quadrado que deveria ser perfeito com a descentralização do poder pedagógico e a intersetorialidade: escola tutor aluno comunidade escolar. “… a cultura escolar adquire a função de refazer e renomear o mundo e de ensinar os alunos a interpretar os significados mutáveis com que os indivíduos de diferentes culturas e tempos históricos dotam a realidade de sentido.  Ao mesmo tempo lhes abre as portas para compreender suas concepções e as de quem os rodeiam.” (Fernando Hernández).
Este refazer do processo de escolarização, e consequentemente educacional, adquire uma nova face na interpolação dos recursos físicos tradicionais da instituição (os jornais, revistas, a aula expositiva ou presencial, as apostilas etc.) e os recursos tecnológicos baseados nos meios midiáticos (jornal digital, redes sociais, e-books, sites, blogs, vídeos conferências e outros tantos). Cabe à escola como instituição de ensino saber gerenciar estes caminhos da construção do conhecimento (ou do saber), da mesma forma o educador ser o marco orientador do uso de todas estas ferramentas. Neste ponto, entramos em outro ponto de discussão que é a necessidade da constante atualização do tutor de ensino para que não caia junto com seu tutelado nas teclas Ctrl + C e CTRL + V. Ou ainda pior, transferir os velhos e surrados textos e conteúdos programáticos para dentro de um banco de dados e dizer que está palmilhando um novo caminho pedagógico.

(Renato Hirtz – setembro 2012)

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Novos rumos do ensino a distância

                Quando deparo com a notícia de que faculdades americanas estão disponibilizando mais de cem cursos na modalidade de ensino a distância e que estão interessadas em expandir para o mundo inteiro verdadeiras franquias deste tipo de ensino se faz necessário uma reflexão sobre isto. Esta nova oferta de educação vem num crescendo em nosso país e competindo com a tradicional forma presencial.
                Lembro que há mais ou menos uns vinte anos Roger Schank já alertava para a evolução deste fenômeno definido como nova alternativa educacional tecnológica. Com ela vem uma avalanche de questões entre prós e contras. Entre eles a validade técnica dos cursos, os procedimentos de aplicação pedagógica, o envolvimento administrativo do processo e da conduta discente daqueles que sob o fascínio da facilidade de obter um diploma optam por esta alternativa. Um computador conectado a internet, um endereço de e-mail e disciplina para estudar e vencer módulos para aquisição de conhecimento, ou como gostam os teóricos, construir seu conhecimento. Trabalhos, provas, aulas presenciais e apresentação de trabalho final avaliado por seus tutores. Realmente é uma revolução na educação. Uma das  interrogações que tenho é do objetivo das universidades quanto a implantação e implementação desta atividade. Óbvio que num sistema capitalista nada se faz sem visar lucratividade. Não podemos é cair apenas na visão comercial. Toda a instituição educacional tem seus valores éticos exatamente relacionados aos princípios da educação. Que assim o façam. Outro aspecto é o processo de mesmice que paira sobre qualquer processo dito novo em educação. Mudam-se nomes e formas,mas nada mais há do que a transferência do velho para uma nova capa. Qual a real transformação que esta nova dinâmica trará através de um  sistema de documentos em hipermídia que são interligados e executados na Internet, a WEB. Não irão transferir conteúdos, metodologias e técnicas convencionais para uma forma de ensino sem chance retração ? Claro que não. Certamente as Universidades e instituições de ensino que não buscarem uma profunda mudança nos seus paradigmas educacionais elaborando e criando metodologias motivadoras para aquisição do conhecimento e para o enfrentamento da competitividade deste mercado promissor. A relação aluno-professor se altera totalmente. O professor passa a ser tutor de um indivíduo que irá construir seu conhecimento individualmente, sozinho e pelo seu esforço. Haverá um tripé de relações: o tutor que mostrará caminhos, o buscador ( aluno ) compilando seu conhecimento e provando resultados e o computador como uma grande biblioteca atualizada a cada instante a sua disposição. Será um processo que há muito tempo escuto falarem na teoria: o aprender fazendo. Não haverá mais aquela relação diária de motivação professor-aluno. Do outro lado da rede o indivíduo com dificuldades ou não, com carências ou não terá que  produzir e provar conhecimento. Caem com isto grande quantidade de conceitos e tradições da educação convencional. Realmente é uma revolução irreversível na educação e toda a sociedade deve estar preparada. É a mesma mudança que ocorreu nas relações interpessoais quando surgiu a comunicação digital na velocidade da luz alterando  drasticamente a forma tradicional. Numa empresa, numa escola e muitas vezes numa residência nos comunicamos através de e-mail, comunicadores digitais, blogs e outras formas alternativas. São exatas, sem dubiedade, possuindo registro de data e hora e gravadas. Não há mais meias palavras. Assim nesta nova modalidade de ensino não haverá meio conhecimento.
                 John Dewey (1916) em suas reflexões já comentava a falha nos sistemas educacionais que debulhavam conhecimento sobre um ser passivo chamado aluno. Sabemos que as instituições de ensino superior tem sucesso reconhecido quando se dispõe a utilizar uma metodologia do fazer e aprender. Muitos de meus alunos, ditos problemáticos, eram ótimos quando realizavam cursos técnicos paralelamente ao ensino médio. Já vivi a experiência com alunos de curso de ensino médio concomitantes a curso técnico destacarem-se nas disciplinas técnicas e depois apresentarem  ótimo rendimento nas disciplinas teóricas. O fazer é motivador e a teoria é um fardo necessário que indubitavelmente se associa ao conhecimento queiramos ou não. O tradicional faz exatamente o contrário. Primeiro enfadonha e afasta. Quem sabe não seria mais interessante iniciar a alfabetização recortando e desenhando letras para depois saber o som e nome de cada uma ? Muitas vezes já escrevi e outras tantas falei que os currículos escolares são idealizados como se todos os alunos tivessem um cérebro, percepção e interesses iguais. Muito se fala no respeito as diferenças. Isto na teoria. Não se criou ainda um currículo, grade curricular ou como queiram chamar que possibilite o fazer conhecimento. As instituições de ensino, seja em que nível for, assim como seus professores terão que apresentar justificativas muito claras da necessidade do educando aprender determinado conteúdo. O ensino a distância com toda as suas facilidades para o aluno e como um novo mercado para as instituições de ensino fatalmente irão alterar propostas de ensino. 
                          Repito que levar o tradicional para dentro de uma nova tecnologia que possui um dinamismo numa velocidade incrível é o mesmo que amassar barro sem nada construir com ele. E as escolas de ensino médio não podem perder tempo em discussões sem rumo, pois estarão sofrendo o mesmo efeito desta nova modalidade de ensino. Já estão aí algumas escolas oferecendo a Educação de Jovens e Adultos via educação a distância. E não esqueçam de se perguntar por que o aluno não gosta da escola ? Não se esqueçam de perguntar se teu aluno aprendeu “bastante” para ele ou para o conceito padrão de aprender. E por fim, por que o sistema ( não gosto de dizer governos,pois é um todo de interesses) não faz questão que se mude tudo isto ?  Há muito ainda que refletirmos sobre esta inovação avassaladora que é o EAD.

(Renato Hirtz – agosto 2012 )

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Gestor Escolar

            Lendo estes dias sobre gestão escolar veio a imagem de minha primeira diretora. A escola ainda existe em um município da grande Porto Alegre.Vão-se trinta e tantos anos,quando lá cheguei recém formado cheio de sonhos e com uma sede de ensinar e aprender. Ainda estava cursando minha segunda faculdade e me desdobrava entre lecionar em uma escola particular, esta que era estadual e assistir aulas à noite. Nada de preocupação com o cansaço. O salário de professor ainda valia o esforço bem como a profissão era valorizada.
            Meu contato com a diretora desta “escola do interior” foi de respeito e admiração. Sua altivez não se dava por sua estrutura física e sim pela sua postura como educadora e administrativa. Haviam prós e contra sua forma de administrar. Fazia valer o que estava escrito nas orientações contidas na Lei. Chamava a atenção, e também era motivo de certas críticas feitas a meia boca e aos pés de ouvidos a sua rotina. Ao chegar na escola recebia no portão junto com o vice dos turnos e cumprimentava os alunos de forma solene chamando-os pelo nome. Um passar de olhos e já detectava se havia algum problema com este ou aquele. Um sorriso aos pais que conduziam seus filhos até lá e o portão era fechado. Conversa rápida com seus vices-diretores e lá se ia a cozinha. Saboreando um café mantinha uma boa conversa com as funcionárias. Saía da li e dava mais um tempo de prosa com o pessoal da secretaria. No caminho controlava as salas de aula. Já era hora do recreio e lá se ia a pequena sala dos professores. Conversava com um e com outro. Algum aviso de urgência era dado e se dirigia a sua sala. No turno da tarde realizava a mesma rotina, com um porém. Não se dirigia a sua sala. Saia para comparecer aos órgãos competentes.
            A escola ia muito bem se destacando tanto no aproveitamento, na organização, na integração da comunidade escolar, nos recursos e até um novo prédio foi construído em sua gestão. A intimidade profissional com aquela diretora foi aumentando com o passar de um tempo. Certa ocasião, num período vago surgiu uma oportunidade informal de conversar mais abertamente com ela. Questionei, com certo receio, a sua rotina na escola. Ali recebi uma lição. Respondeu-me que um administrador escolar antes de qualquer coisa deveria exercer o papel político escolar. Ao receber os alunos e pais tinha a oportunidade de dialogar com eles. Ao se dirigir ao refeitório e conversar com as funcionárias tomava ciência das necessidades diárias de alunos e professores. Quando chegava a secretária obtinha conhecimento administrativo e na sala dos professores a solução de pequenos problemas, junto com sua supervisora, numa conversa informal. Era desta forma que se inteirava de sua escola, resolvia situações que podiam se avolumar com o passar do tempo. Na sua sala tinha a oportunidade de programar reuniões, planejar atividades e atender casos mais complexos. A tarde, fazia a gestão política indo buscar, nos órgãos competentes, recursos para satisfazer as necessidades do estabelecimento de ensino do qual era diretora. Quando não conseguia seus objetivos nesta área buscava parcerias com a iniciativa privada. Meus vices se encarregam de conduzir a escola e eu de manter e aprimorar as condições para que todo o trabalho seja levado a termo com produtividade.
            Aprendi com ela que um gestor escolar não necessita ser aquela figura austera e presencial. A austeridade afasta e sua convivência amiúde com a comunidade escolar a vulgariza. Ele tem que determinar competências e proporcionar que todo o processo compartilhado que idealizou (em conjunto com sua comunidade escolar) chegue a termo e de modo produtivo. Confiança e cobrança de responsabilidades com sua equipe e valorização de cada ação em separado ou no seu conjunto é ponto indiscutível. Isto gera motivação para que se aprimore cada vez mais as ações da prática pedagógica. Aqui lembro de um outro gestor administrativo que conheci. Ele criou uma forma de agradecer e motivar sua equipe. Através de uma votação entre a comunidade escolar, na semana do professor, os eleitos como educadores, pais e alunos destaques recebiam um singelo diploma de honra por seus méritos. Uma mera atitude que servia de motivação e integração entre todos da comunidade escolar. Vi muitos colegas refletindo suas ações com esta atividade. Propostas de mudanças eram discutidas para que no ano seguinte houvesse uma concorrência mais acirrada sempre com o objetivo de melhoria da qualidade da aprendizagem.
            O gestor escolar deve ser um buscador de soluções, um integrador, um organizador, aquele que propõe, aceita mudanças, confia e determina ações de modo que toda a comunidade escolar reflita sobre a prática pedagógica. Indica competências para a execução do trabalho escolar e define o papel que cada um tem para que a escola volte a ser um lugar não só de saber, mas também de crescimento social, pessoal e de cidadania plena. Enfim, ele é um político educacional.

(Renato Hirtz – junho de 2012).
           

O efeito zapping na Educação

          Depois da geração Y dos anos 70/80 surge a partir dos anos 90 a geração Zapping. Sendo uma nova forma de entrar em contato com o conhecimento e,por conseqüência ,  manter uma relação interpessoal diferente coloca-se como um desafio não só aos educadores como também ao mercado de trabalho.
         Numa ascensão extraordinária estes jovens entram em contato com uma enorme facilidade com um uma carga violenta de informações gerada pelo avanço da tecnologia que reúne de forma inesgotável conhecimentos muito dinâmicos sobre todos os ramos da atividade humana inclusive em relação aos seus contatos interpessoais. Alguns estudiosos e especialistas no assunto tratam esta nova forma de crescimento  quase insidioso como um problema complexo de analisar  onde uma avalanche de dados são colocados diante do alunado ou mesmo de profissionais. Outros comparam esta condição ao surgimento do iluminismo, do renascimento e de outras tantas revoluções culturais em que o conhecimento ,antes de domínio restrito,passa a ser de acesso público.
      Explicando melhor, a geração zapping é aquela cujo berço foi praticamente um computador, com um controle remoto de TV como brinquedo, cresceu curtindo pequenos aparelhos eletrônicos, descobriu os games, manipulou muito cedo um celular e teve que aprender a conviver e dominar o avanço tecnológico voraz e veloz. Eles fazem parte de uma comunidade que está conectada num turbilhão de informações que se somam numa rapidez incrível, imediatas e que envolvem o mundo inteiro. Eles são peritos em zappear informações minuto a minuto. Agem como um fã ardoroso de televisão que alterna de canais a todo o momento. Na realidade ele está procurando programas que lhe interessam ou chamem sua atenção.
         A grande preocupação dos pesquisadores, dos educadores e de pessoas envolvidas em recursos humanos não é a quantidade de informações que este indivíduo entra em contato. A questão é da forma como estas informações são codificadas e decodificadas. É a maneira como este indivíduo trabalha e usa destes verdadeiros bancos de dados infinitos de informações quando entra no game da vida real e tem que produzir dentro do mercado de trabalho.
       Até a algum tempo, o máximo que tínhamos eram os gravadores, o vídeo - tapes e algumas formas de reprisar uma informação. Claro, além dos livros que trazem uma informação estática, na visão dos dias de hoje. A atenção aos noticiários, por exemplo, deveriam ser acompanhados de muita atenção e anotações para não perdermos o famoso “fio da meada”. Não havia muitas alternativas de retomada de informações.Fatos ocorriam e não podiam ser repetidos. Experiências e transformações não podiam ser reconstituídas. Tudo isto levava a uma maior concentração diante de novos conhecimentos. Hoje o conhecimento passa a ser facetado e superficial.O aprofundamento das questões que envolvem novos conhecimentos são rápidos e focados no imediatismo da informação. A síntese de muitos dados que se colocam a nossa frente de forma imediata e simultânea gera um novo tipo de pensar o mundo. É uma forma intensa e infinita provocando alternâncias de escolhas  que chamam a atenção ou que são mais interessantes. Fragmentadas estes dados o educando torna-se suscetível aos apelos da globalização, zappeando ,por conseqüência para aquilo que lhe é satisfatório. Desta forma traz para suas relações pessoais o mesmo efeito do zapping. Ao se colocarem diante de uma situação problema, algo desinteressante ou não apaixonante partem em busca em busca de outra informação mais interessante. Partem do princípio de que podem tudo e de tudo se livrar ao simples toque de um botão ou de uma tecla. Na escolha da profissão, no mercado de trabalho e nas suas relações amorosas, inconscientemente, ocorre às mesmas coisas. Tornou-se desinteressante certamentente ocorrerá uma troca de canal.
         E como lidar com tudo isto? Voltamos a bater na mesma tecla. O acompanhamento familiar. Tomar contato com toda a tecnologia é importantíssimo, mas regrar o uso e a forma como, principalmente a internet pé usada é de importância vital.Isto dá trabalho, mas a educação começa no primeiro ano de vida. Os pais devem analisar com que profundidade e entendimento seus filhos estão usando todo este manancial da Internet. Não devem deixa-la como babá de seus pimpolhos como foi a TV nas gerações anteriores. Mesmo com todo o avanço não podemos esquecer que esta geração Z inicia sua história de vida com fragilidade de conhecimento e de discernimento do certo e do errado. Do real e irreal.Esta geração é impelida a estabelecer relações interpessoais com um grande número de “amigos”, de “seguidores” e de “fãs” pois participam das redes sociais desde muito novinhos. Há vantagens e desvantagens neste processo. A vantagem é saber lidar com as diferenças e divergências. Um fator nocivo é que introspectam a capacidade de livrar-se, de bloquear ou eliminar o grupo, tribo ou contato como num passe de mágica se estes não apresentarem mais interesse ou deixarem ser coniventes com seus princípios .Perdem rapidamente a ideologia familiar ou a adquirem uma ideologia de grupo. Nem sempre estes grupos são tão interessantes ou produtivos para a sociedade. Passam a pensar como coletivo e muitas vezes perdem sua individualidade.É papel dos pais iniciar todo um trabalho de conscientização dos valores individuais e coletivos já na primeira infância, do direito de sua individualidade, da participação em grupos e ter seguidores produtivos. A continuidade deste processo se dará na escola que através da escolarização e da educação deste indivíduo, pois educação é um processo de construção. O professor não tem uma varinha mágica para descobrir as potencialidades existentes no adolescente. Pais e educandos esperam da escola aquilo o mesmo efeito Zapping quando deixam sob a responsabilidade da instituição de ensino expectativas uma solução rápida, imediata e idealizada por eles para seu filho. Os educando devem pensar seriamente sobre esta nova forma de aquisição de conhecimento e como lidar produtivamente com ele para auxiliar o educando na descoberta de sua identidade, de suas habilidades, seus gostos e suas preferências. Deve ensinar que na vida sempre há escolhas e que não podemos fazer zapping de todas as situações que nos incomodam. Pais e escola diante de tantas opções inebriantes devem buscar formas para seus pupilos entenderem que a frustração é algo inerente ao seu caminhar pela vida.
Muito antes do conteúdo (ele está ao alcance de suas mãos, já falamos) o educando necessita orientações e técnicas para aprofundar o entendimento deste mundo de informações e, a saber, lidar com situações problemas que se apresentarão quando ultrapassar os portões de sua escola.
(Renato Hirtz – junho de 2012)

Gestar

Revendo “meus guardados” encontrei todo o material de um projeto que desenvolvi em uma escola que trabalhei, em Porto Alegre.
            Sou adepto convicto da educação por projetos e por compartilhamento de informações e experiências. Este tipo de atividade agrega valor ao conhecimento e desenvolve a capacidade do indivíduo de saber transitar de forma mais adequada nas suas relações interdisciplinares.
Dentro de minha escola, além de exercer minhas funções como professor, e por uma série de acontecimentos particulares me propus a ir mais além. Contribuir com algo mais. Uma boa parte de nossos alunos apresentava problemas característicos da adolescência ou da idade madura que prejudicavam sua autoestima,principalmente. O Serviço de Orientação Educacional com um único profissional para atender a mais de mil alunos não tinha outra forma do que ater-se aos casos mais complicados. Saí em busca de material que me subsidiasse para colocar em prática um projeto que auxiliasse nossos alunos. Adaptei várias técnicas de grupos de autoajuda e idealizei o que chamei de Gestar (Grupo de Estudo e AutoAjuda Renovação). Com apoio da Direção da Escola,numa das salas de  aula,iniciamos as atividades do grupo.
No início, ainda sem credibilidade, com um grupo reduzido, mas assíduo, começamos as reuniões. Ao longo de dois anos de existência o “grupo” se manteve forte. Com uma assiduidade variável ( dependendo do estado de espírito de cada um ) obteve resultados muito positivos direta ou indiretamente. Notoriamente a mudança de comportamento dos participantes diante de seus problemas do dia-a-dia estabeleceu a certeza de que esta atividade era produtiva.
Com o objetivo de oportunizar e promover em cada participante a autoestima, a autovalorização, a descoberta de suas potencialidades e de suas falhas como indivíduo, com a idéia firme de que devemos “viver só por hoje realizando tudo com a maior perfeição como se tudo isto dependesse a continuidade da minha vida amanhã.”. Foi estabelecido um código de postura rígido (para os participantes e visitantes) e procedimentos para realizar as reuniões. O “grupo” se encontrava uma vez por semana, numa atividade que durava não mais de duas horas de atividade. Ao final de cada reunião sem eles sentirem  criava-se numa verdadeira integração familiar. Um passava a tutelar as ações do outro ao longo da semana.
Já encontrei muito deles. Hoje,com família constituída e profissão definida seguem sua vida e guardam na memória nossas reuniões. Isto vem mostrar que muito mais do que grandes transformações na educação, radicais mudanças de currículo e coisas do gênero não trazem efeitos tão desejados. O aluno do ensino médio,principalmente, quer aprender. Ele quer aprender a viver, a resolver os problemas que lhe incomodam, a livrar-se de suas angústias e ter entendimento do seu momento de vida. Escolarizar se torna muito mais fácil quando tudo isto fica sob controle do jovem. Nós somos assim, mesmo com toda a experiência acumulada.
É muito difícil trabalhar com o aluno, até mesmo de nível superior que está numa transição tentando adquirir uma identidade seja como pessoa ou como profissional. O processo educacional que deveria ser iniciado em casa, desde o berço, chega a escola sem o embasamento familiar. Há todo um contexto onde família, escola, educador e educando se vêem envolvidos. É o famoso efeito “zapping”. Tudo deve ser muito rápido. Todos os processos são executados de forma imediatista e simultânea sem detalhadas explicações, sem muita orientação e com pouca conversa. O que importa é o resultado e não interessa quem gerará este resultado. Como conseqüência a instituição educacional fica diante de indivíduos com educação e cultura (não me refiro a escolarização) aquém do  exigido para o nível de ensino que estivermos considerando.(Renato Hirtz – maio 2012).

P.S.: Grande abraço à Andréia Tais Fonseca, Alexandre Brandão, Anahy de Vargas Ribeiro, Fábio Augusto Alves Barbosa, Fernanda Glinka, Márcia Greff Demétrio, Mirele Rosa dos Quadros, Vanderley Silva Rodrigues, Vanessa Casanova Silveira, Vanessa de Souza, Vinícius dos Santos Estima. Este grupo ajudou a levar em frente o projeto acima descrito.

 Fomos esquecidos

            Com o passar do tempo muitas coisas boas que ocorriam ao longo das atividades escolares foram se perdendo. Se hoje dizemos que a escola tem autonomia administrativa-pedagógia para deliberar sobre seus rumos, porém antes havia mais opções de projetos para serem desenvolvidos. Os governos da época proporcionavam oportunidades para os professores se atualizarem e implementavam projetos interessantes para serem desencadeados com alunos e que produziam relevantes resultados.
            Lembro que havia períodos de atualização para professores. Havia, na minha área de atuação, por exemplo, os Programas de Saúde. Profissionais da área ao longo de uma semana ministravam os encontros. Outro era o de Prevenção ao Uso e Combate as Drogas, Prevenção de Acidentes e Primeiros Socorros na Escola. Outros tantos que eu e meus colegas tivemos a oportunidade de realizar com profissionais especializados. Por outro lado, as Feiras de Ciências, as Patrulhas do Verde, as Hortas Escolares. Nas outras áreas do ensino acontecia o mesmo. O Clube Literário, Clube de Línguas Estrangeiras e muitos outros. Atividades nas quais os alunos se viam envolvidos e os governos davam relativo incentivo.
            Em uma das escolas que trabalhei tínhamos a Semana Cultural onde os estudantes apresentavam trabalhos livres sobre os conteúdos desenvolvidos e figuras ilustres eram convidadas a participarem. A Feira do Livro era uma semana badalada na escola Os alunos trabalhavam autores, entravam em contato com editoras, com escritores e tudo isto contribuía para desenvolver o senso de iniciativa do aluno (o que os tornavam proativos) e proporcionar educação e cultura, além de uma boa escolarização. Em uma Coordenadoria de Educação onde exerci função pedagógica conseguimos, por 3 anos consecutivos, manter um Festival Estudantil da Canção Crioula buscando parcerias com iniciativas privadas e mantenedora. Conseguimos reunir na última mais de uma centena de inscrições de alunos da costa doce e região carbonífera. Foi inesquecível ver alunos realizando lidas campeiras e apresentando suas canções próprias. Foi um aprendizado extremamente produtivo em todos os sentidos. Poderia ficar aqui relatando dezenas de atividades com as quais eu e tanto outro profissional da educação teve a oportunidade de participar.       
            Estou relatando tudo isto para dizer que nós professores fomos esquecidos pelos governos. Não vou citar nenhum, pois este não é o objetivo a que me proponho. Tínhamos 44 horas semanais onde 4 horas nós podíamos nos dedicar a uma atualização, a elaborar uma atividade, criar um projeto ou narrar aos nossos pares experiências de erros e acertos que tínhamos obtido. Veio depois às 40 horas, das quais 4 horas eram de estudos. Nós nos encontrávamos, nem que fosse para “falar da vida dos alunos”. Além da escolarização, nossa preocupação era com a educação do aluno. Fomos carregando nosso fardo de responsabilidades com as quais fazíamos parcerias. E viramos titulares destas responsabilidades. E quanto mais nosso fardo se abarrotava de responsabilidades que eram dos pais, da sociedade, da mantenedora ou dos governos mais sozinhos e esquecidos ficávamos. Foram nos impondo de forma maquiavélica a titularidade destas novas funções. E chegamos ao ponto de trabalhar mais de 40 horas, não em uma só escola e sim num ir e vir entre várias escolas para garantir a sobrevivência na carreira. Somos teimosos, solitários e esquecidos como profissionais que gostam de ler, de estudar, de saber mais, de ir além de seus limites. Quem nos oportuniza isto? Quem deveria nos oportunizar isto.
            Hoje nos imputam a culpa de todas as mazelas na educação. A visão de governo, da comunidade e dos alunos é uma linguagem binária. Ou o professor é acomodado e finge que ensina, ou ele é um general que exige demasiadamente do aluno. Os pais na sua omissão vêem nos professores a salvação ou a derrocada educacional do filho. O governo na sua visão míope nos vê como inimigos mortais ou como chorões sempre de chapéu na mão querendo um “aumentozinho”. E não é nada disso.
Não há “zona de conforto” em educação. Os tempos mudaram, a tecnologia avançou, a sociedade tem novas prioridades, o mundo está exigindo uma nova postura de todos. Educação se faz de forma compartilhada. Ninguém sozinho faz Educação. É necessária uma nova visão de professor. Não uma visão de dez décadas atrás. Não mais de um indivíduo vocacionado. Vocacionado também, mas que necessita ser tratado como profissional da educação e para tal não pode sobreviver apenas. É inviável o professor “táxi” que roda quilômetros de um estabelecimento de ensino para outro para somar no final do mês um salário de cama-mesa-banho. E consequentemente não tem tempo, muitas vezes para ler um jornal. Vejam os novos conceitos de administração de recursos humanos. Um deles é proporcionar ao seu empregado oportunidades de desenvolvimento de sua capacidade de exercer a sua função. Se isto não acontece por que não estabelecer um salário compensador onde o educador possa desempenhar a sua profissão com dedicação exclusiva em uma determinada escola. Desta forma terá tempo para aprimorar seu conhecimento e técnicas educacionais e desfrutar de uma vida sócio-cultural compatível com a importância de seu papel no contexto social. Com isto ganha a educação, o alunado e a sociedade.

(Renato Hirtz – maio 2012)

Ainda sobre Projetos

            Na Semana passada, minha filha participou das atividades de encerramento de um projeto na sua escola pública. Sempre que posso compareço ao dia da apresentação das conclusões destas atividades. Primeiro para prestigiá-la juntamente com seus colegas e, em segundo, por que defendo que a escolarização, por conseqüência a educação e a cultura são muito bem trabalhadas ao longo de todo este tipo de processo.
            Começa que os alunos são desafiados a construir um conhecimento diferenciado mediado pelo grupo de professores que utilizam seus conhecimentos para orientar os grupos participantes. A busca de informações seja pela consulta bibliográfica, por um processo de pesquisa ou com a intermediação de profissionais que não participam da comunidade escolar enriquecem o trabalho final. A movimentação seja dentro da sala de aula, nos laboratórios de informática, biblioteca e outros órgãos sejam públicos ou privados descaracterizam aquela aprendizagem monótona do cotidiano escolar. Por fim, os pais (lamento que sejam ainda em pequeno número) participam ou ao menos tomam conhecimento do que o estabelecimento de ensino esta propondo. Há um resultado muito produtivo nesta caminhada.
            Quando a escola trabalha com projetos integradores, multidisciplinares ou como queiram intitular, os educandos em sua totalidade e em intensidades diferentes ou não participam. Eles identificam os fatos a serem tratados, levantam problemas, elaboram hipóteses, partem para a busca de respostas (montagem e experimentação de idéias). Finalizam com argumentação sólida a apresentação final (conclusões) dos trabalhos de grupo. Na realidade estão colocando em prática todos os passos da metodologia científica. Esta metodologia não pode ficar alienada de nenhum processo nas ciências, sejam elas humanas, científicas, ou sociais. Não há assunto que a geografia fique colocada em um segundo plano. Vivemos num meio geográfico e aí entra a biologia entendendo todas as relações entre os seres vivos deste meio geográfico. E tudo isto existe por que se realizam fenômenos físicos e químicos que interferem nesta distribuição geográfica. Isto tudo para ser entendido depende da interpretação de fatos e eles devem ser relatados de formalmente através do conhecimento da Língua Portuguesa. Estas relações ocorrem  através de uma linha de tempo, facilmente explicada pela História que pode narrar os aspectos sociológicos, filosóficos e religiosos de um conhecimento que o aluno está adquirindo. E tudo isto deve ser colocado matematicamente correto seja através de gráficos ou estatísticas que proporcionarão um entendimento proporcionalmente eqüitativo sobre tudo o que o aluno aprendeu até então. E toda esta aprendizagem pode ser transmitida aos colegas, ou quem sabe publicado num blog em uma língua estrangeira que pode ser o Inglês ou Espanhol.
            Tudo isto dá trabalho e foge ao padrão de ensino estipulado pelo sistema ideológico e político que está vigente no momento ou vem que vem subsistindo através dos tempos. É a relação arcaica entre Poder e Educação. Agora, se a escola tiver bem presente sua filosofia educacional, em que tipo de sociedade está inserido, o que esta sociedade quer de sua escola, os recursos comerciais e empresariais que podem absorver seus educandos e auxilia-los na aquisição de conhecimento e principalmente o que a comunidade escolar espera desta escola o discurso para trabalhar sistematicamente com este tipo de atividade se torna irrefutável. Não que se fuja aos conteúdos programáticos, mas eles podem render muito mais em prol do alunado.
            Outro aspecto que vejo de importância são as integrações entre escolas. Estes dias tomei conhecimento, com satisfação, que a várias escolas aqui de nossa regional estão trabalhando com “conexões” entre escolas. Lembrei quando trabalhava em uma escola particular onde os alunos, através de projetos, convidavam outras escolas para participarem das apresentações que se transformavam em verdadeiros seminários. Da música a matemática os alunos se esmeravam para mostrarem seus conhecimentos aos colegas. Ultrapassavam muitas vezes suas limitações e alunos considerados “problema” ou medianos descobriam potencialidades adormecidas. Além da construção de conhecimento, a cultura crescia nos participantes que conviviam durante um turno ou dois com as diferenças entre seus pares. Outro fator era o ressurgimento do orgulho por sua escola, instância até então relegada a um segundo plano. Até hoje encontro alunos que recordam dos sábados de integração cultural e falam com orgulho de seus desempenhos naquelas atividades.
            Alguns aspectos são importantes nesta caminhada. A participação do professor é importante como mediador de todas as funções de preparação, construção e finalização de um projeto. Esta comunhão entre professor e aluno provoca uma aproximação salutar e ambos passam a se conhecer não só como mestre e aprendiz, mas como pessoas humanas que aprendem a conviver cada um com sua bagagem de experiências. Atiçar o aluno a buscar sempre mais e atingir níveis de produtividade maior daquela que ele está acostumado apresentar. Provocar o aluno a sonhar com um resultado palpável e que ele possa alcançar. Torná-lo insatisfeito com procedimentos fáceis e ativar sua capacidade de pesquisar, ir atrás e com curiosidade. Despertar no aluno o rigorismo pelas informações a serem transmitidas e sua capacidade crítica pelo que está produzindo. Por fim, tanto o professor como o aluno pode exercer seu papel político nas suas relações e nas relações com seus pares.
            Cabe a escola como um todo, nos dias de hoje e com todas as dificuldades que circundam o ato de educar e ensinar, um grande desafio. Sair da histórica mesmice e ajudar, realmente o aluno a construir um sentido para sua vida. E nada melhor do que aprender compartilhando todas as relações e desafios que irá encontrar fora dos muros escolares. E como diz Paulo Freire “Ensinar e aprender têm que ver com o esforço metodicamente crítico do professor de desvelar a compreensão de algo e com o empenho igualmente crítico do aluno de ir entrando como sujeito em aprendizagem, no processo de desvelamento que o professor ou professora deve deflagrar. (Freire, 1996, p.134).

(Renato Hirtz – maio 2012)

 

 Educação x Escolaridade

              Todos estão cientes de que a escola sobrecarregou-se de responsabilidades além de seus primeiros objetivos originais. E sua resposta a estes novos encargos criou uma onda de conflitos que estão requerendo uma retomada de conceitos básicos para que haja um redirecionamento de funcionalidade que irá despender muito tempo, boa vontade e readaptações profundas.
            Ao longo do tempo a escola assumiu a responsabilidade da educação num sentido amplo. Um processo muito complexo para uma instituição de ensino,envolvendo diferentes contextos sócio-culturais envoltos em uma gama muito grande de acontecimentos que na formação de um indivíduo. Portanto,educação é algo muito mais abrangente e ultrapassa os limites estabelecidos pelos muros de um estabelecimento de ensino. Educar, então, não é função apenas da escola e não é sua responsabilidade a ausência de educação. Na escola formamos o educando. Ali deve ocorrer o processo de escolarização. Nela ocorre a instrumentalização para a formação do indivíduo que vai ser instruído para seu desenvolvimento como ser pensante. O resultado final, prioritariamente será a aquisição de conhecimentos. Além disto, e por todo o contexto vivido pelo aluno dentro da escola na convivência com seus pares, professores, funcionários e gestores educacionais ocorrerá sua formação como pessoa. Entretanto, isto não seria prioridade da escola e sim ela deve servir como uma complementação da educação que é a escolarização. O indivíduo não se educa apenas na escola. Ela tem seu início muito antes da escolarização.
            Volto a repetir que a educação vai muito mais além do processo ensino-aprendizagem. Desde o momento do nascimento a criança está em processo de educação. A convivência familiar é parte deste caminho que só termina quando o indivíduo deixa de existir. Naquela festinha de aniversário a meninada  pode e deve ser educada para saber conviver em comunidade. Nós nos instruímos na escola. Nela também nos educamos, mas nas atividades de uma associação de bairro, na igreja, no estágio, na convivência em um clube, enfim,estamos sempre nos educando. Aqueles que renegam regras estabelecidas de convivência certamente serão chamados de sem educação ou tiveram uma educação deficiente. E vejam que há aqueles que mesmo antes de estarem matriculados numa escola podem ser considerados mal-educados. “Partindo do princípio que a educação abrange todas as possibilidades educativas e acontece em diferentes contextos de socialização no decurso da vida (interações familiares, dos grupos de pares, laborais, associativas, políticas, culturais, escolares, a Internet, a mídia. No fundo, a sociedade em geral) ela não deverá ser redutoramente confinada à Escola.” (Maura Mendes -Investigadora do CIID - Centro Identidades e Diversidades. IPL).
            Educação não é sinônimo de escolarização. Tornou-se assim através dos tempos, e principalmente no nosso país pelas circunstâncias que foram se acumulando historicamente e que serve de tema para outro momento. "O educando é idealizado pela ideologia vigente e, na prática, pretende-se enformá-lo pelo sistema educativo, através da instituição formal que é considerada a escola" (Vieira, 1999: 349).
É na Escola que parecem depositar-se as maiores esperanças sociais no que concerne à formação dos indivíduos. Porém, "todas as aprendizagens inscritas no decurso da vida de um indivíduo começam muito antes da entrada na escola" (Vieira, 1999: 349) e muito depois da saída desta, e "as situações educativas já não podem atualmente dizer respeito unicamente a um [?] professor perante um grupo" (Mialaret, 1999: 16).
            Obvio que não se pode fugir da obrigação do professor transmitir conhecimento (escolarizar) ao educando. Não se pode deixar de lado todas as questões educacionais que envolvem toda a caminhada do educando, inclusive sua educação escolar. O que não podemos é assumir solitariamente a Educação de uma criança, de um jovem ou mesmo de um adulto respeitando suas diferenças em todos os aspectos humanos. Precisamos é reverter esta máxima da educação escolar ser considerada como o ambiente mais significativo e primordial onde o processo educativo acontece. Ela não é a única instituição responsável pelos processos de formação pessoal, pela formação das identidades, pela construção dos objetivos de vida de cada um. Ela é um espaço entre outros tantos tão importantes quanto um educandário. Enfim, a escola deve escolarizar sempre e co-participar da educação do indivíduo. Num próximo momento trataremos como podemos agir na educação do indivíduo. (Renato Hirtz – maio 2012)

 

Relacionamentos fugazes

           Já convivi e continuo convivendo com muita gente jovem seja no âmbito social, quanto no profissional. Por formação, adquiri a capacidade de observação.Surpreendo-me,muitas vezes,observando detalhes do comportamento das pessoas.Talvez,um psiquiatra diria que isto é seria um determinado desvio sei lá do que.Não é esta a linha de pensamento que quero desenvolver.
            Com o passar do tempo, estou chegando à conclusão de que não só o jovem, mas ele em maior intensidade perdeu de certa forma, a capacidade de se apegar às pessoas e as coisas que estão ao seu entorno ou que lhe envolvem diretamente. Ouço com muito mais freqüência que “seja bom enquanto dure”.Outra expressão é “a fila anda” e “voltei a pista para negociar”.São expressões que denotam estabelecimentos de compromissos de toda ordem muito casuais.
            São em número muito menor, nos dias de hoje, observarmos jovens e adultos com idades mais avançadas que estabelecem relacionamentos fugazes. Há um imediatismo virulento se estabelecendo nas relações interpessoais sejam na vida privada, nas relações sociais e profissionais. A história do indivíduo é muito facetada de envolvimentos e eventos, aliás, não há uma caminhada constante na vida de um indivíduo.Em tudo há uma necessidade de respostas imediatas.Serve ou não serve.É bom ou ruim.Produz efeito desejado ou não.Não há espaço para adequação.Tudo isto torna os envolvimentos muito superficiais e de retorno quase sempre frustrante,sem comprometimento e libertário.
            Conversava com um executivo do setor de recursos humanos de uma empresa multinacional de considerável importância no cenário nacional, Sua queixa era bilateral. De um lado a empresa, por força da globalização, busca produtividade e lucro imediato através de suas contratações, por outro lado o recrutando visa compulsivamente salários e vantagens iniciais que se adquirem fazendo história com o passar do tempo. Nem a empresa, nem o contratado se dão tempo. Isto traz uma carga muito grande de frustrações para os dois lados.Em vista disto, muitas empresas, conscientes deste problema, estão criando departamentos que são verdadeiros centros educacionais objetivando a formação do seu colaborador. Uma total reciclagem em termos de conduta, conhecimento e visão de futuro. Se assim não for feito a rotatividade de contratações e rompimentos de relações trabalhistas é volumosa.
            A globalização traz consigo incontáveis aspectos positivos, da mesma forma que coloca os países e seus habitantes no dilema de posicionar-se como um ser imediatista e produtivo, caso contrário ficará a margem do processo. É necessário domínio total da sua área profissional.Habilidades na solução de problemas de forma instantânea é fator preponderante,não esquecendo a capacidade de superação no trato das relações interpessoais. E, aí vem a queixa mais freqüente dos recrutadores de departamentos de recursos humanos quando dizem que nossos jovens chegam despreparados às portas das empresas. Sem experiência profissional sim,admite-se. Mas despreparados para assimilar orientações, informações, ler e interpretar rotinas de trabalho... Não.Isto não é admissível.E a culpa volta como uma flecha mortal para sua formação de nível fundamental e médio.
            E o que diríamos, nós educadores?
            Vou postar mais adiante minha opinião.
            Acrescente a sua. Vamos formar um hipertexto com alternativas de soluções ?

 (Renato Hirtz - abril/2012)

Sobre o muro

          Acabei de ler o livro Davi Emanuel contra o Apocalipse, de Lucas Steinmetz. Em determinada passagem do livro o demônio diz que aquele que costuma ficar em cima do muro ao longo de sua vida já está ao seu lado.
            Esta afirmação me levou a relembrar algo que li, não lembro bem aonde. Era uma fábula ou lenda que um determinado autor escreveu para explicar o sofrimento de uma bondosa senhora que após a sua morte foi levada ao limbo ou purgatório. Para ela era inexplicável a sua presença naquele local.Passados não sabia quanto tempo,veio ao seu encontro um mentor espiritual e ela,as raias da indignação,o questionou.
            Com uma mágoa incontrolável, queria encontrar a razão pela qual após 86 anos no plano terreno, sendo uma excelente filha, impecável esposa e sem ter ao menos desejado um mal sequer aos seus semelhantes, ali estava. Era um paradoxo.Nunca cometeu um erro sequer por livre arbítrio.Sempre cumpriu com os preceitos cristãos.Raramente faltava ao sacrifício dominical,a missa.Nun ca levantou a voz contra seus orientadores espirituais,mesmo que soubesse que eles muitas vezes iludiam os irmãos com seus discursos apocalípticos para tirar proveito do temor ao Pai.Jamais havia denunciado alguém por atos ilícitos.Muitas vezes procrastinou ações para não ferir este ou aquele. Enfim, nunca cometeu mal algum e estava ali num espaço de tempo que a solidão doía e o castigo inexplicável era demais. Deus ? Quem era criatura que impunha tal provação a uma filha dedicada que não deixava de orar para todos os santos e principalmente para ele.
            O Anjo, assim vamos chamá-lo, olhou-a com um misto de compaixão e espanto assim ficando por certo tempo. Ela com o nível de angustia acima do suportável conteve-se ao máximo,enquanto lágrimas carregadas de dor caiam em seu colo.Com um gesto lento e doce a entidade divina agarrou a sua mão e começou a falar com firmeza.
            Chamou-a de filha e disse que a razão dela estar naquela situação justificava-se exatamente em tudo o que ela havia dito. O que ela tinha feito em benefício de seus semelhantes ? Perdeu muito tempo tentando ficar em pé sobre o muro, com medo de errar. E esta posição foi o grande erro de sua vida.Nada fez para auxiliar,para corrigir,para modificar e desta forma não havia exercido a maior missão que o Pai havia incumbido aos seus filhos.Ela omitiu-se da correção de erros,de lutar pela justiça e apenas cumprir com preceitos dogmáticos de sua religião não acrescentava nada em sua vida.O Pai quer disponibilidade,amor fraternal e ação.E ela havia apenas se preocupado consigo mesmo.Ali estava para aprender  que a missão do ser humano lá na Terra era muito mais de doação do que armazenar dádivas divinas para si mesmo.Nunca havia feito mal a ninguém,porém muito pouco havia feito em prol de seus irmãos.
            Se houvesse um final do mundo neste momento, o purgatório estaria lotado de pessoas que vivem olhando seu próprio umbigo e que proclamam serem boazinhas. Superlotação ocorreria no inferno por aqueles que sempre estão com discursos cheios de boas intenções e embolsam dádivas divinas para agradar ao Papai do Céu.
            Quanto a mim... vocês me encontrariam num destes dois lugares,pois missão difícil de cumprir nesta vida é “amar o próximo como a si mesmo” ao menos por vinte quatro horas,uma vez por semana.

(Renato Hirtz,abril 2012)

 

Uma manhã de reflexão

           Nestes dias fui ao centro da cidade onde moro. Gravataí é uma cidade interessante.Ao mesmo tempo que possui um desenvolvimento ativo contrapõe-se ainda o ar de cidade do interior.Tudo no centro desta cidade é próximo.O comércio,instituições municipais,hospitais  e bancos convivem lado a lado facilitando a vida dos munícipes.Gosto da zona central deste município.
            Nada disso tem haver com o que me levou a um dia de reflexão sobre a vida e dos encontros nada fortuitos encontrados em nossos caminhos. Já havia resolvido toda minha agenda daquela manhã de sol acalentador.Fui em direção a uma parada de ônibus para retornar para casa.Um grande número de pessoas estavam a espera de sua condução,assim como eu.Algumas formavam grupos de tagarelas que comentavam os mais diversos assuntos.Outros chegavam angustiados questionando se este ou aquele coletivo já havia passado e já emendavam uma boa prosa entre si.
            Observei que um rapaz atravessava a rua carregando uma pasta modelo executiva (as antigas 007) e pelo seu andar conclui que estava embriagado. Vinha em minha direção,aliás é uma coisa que eu atraio são indivíduos carentes,mendigos,problemáticos e embriagados.Talvez um “carma” ou uma missão.Sou bom ouvinte e tenho uma veia bem desenvolvida para o tipo “paizão”.
            - Bom dia meu senhor, com sua licença qual o ônibus que pego para ir ao Pan?
             ?  Raciocinei rápido e não consegui achar a informação solicitada.
            - PAN, meu senhor, P, A e N. Desculpe, mas é Pronto Atendimento.
            -Ah! Existem algumas linhas de ônibus que passam por lá - citei o nome delas e ele sorriu.
            Ele deposita a sua pasta no chão ao seu lado, olha para uma senhora que está próxima e diz:
            -Cuidado, minha senhora. Não vá bater na minha pasta.Aí dentro tem uma bomba.Se a senhora tropicar nela vai explodir e BUM ! Estaremos ao lado de Deus, Nosso Senhor, rapidinho.
            A senhora olha espantada e toma certa distancia olhando seriamente para o rapaz.
            -Desculpe minha senhora. Estou brincando com a senhora.estou feliz hoje e gosto de brincar respeitosamente.
            Sorri e olha para mim.
            - O senhor é um iluminado, um iluminado e enxerguei isto quando estava atravessando a rua. estava mal e cheguei perto do senhor e fiquei bem.O senhor é filho de Ogum e é iluminado.
            - Não é bem assim. Fico contente que estás feliz.
            - É estou indo para o PAN ver meu querido pai. Ele teve um derrame hoje pela manhã e eu,mesmo bebam,salvei a vida dele.Os para médicos da Samu disseram que seu não tivesse feito massagem cardíaca e respiração boca-a-boca até eles chegarem...ele tinha conhecido rapidinho meu irmão...Jesus Cristo.
            Passa outro senhor por perto e ele fala em voz mais alta ainda:
            - Olha a bomba!  Apontando para a pasta e sorrindo. Pede desculpas pela brincadeira ao senhor que lhe devolve um sorriso e um ar de estranheza.
            - E como está teu pai agora?
- Bem... quer dizer está no PAN fazendo exames e medições adequadas ao caso dele.
Notei que ele tinha uma facilidade em se expressar com certa correção gramatical. Não estava maltrapilho.No pescoço havia uma corrente com um crucifixo e nos dedos de uma das mãos havia um anel que não tinha aparência de bijuteria.
-Onde aprendeste a realizar os primeiros socorros?
- Meu senhor, tenho o ensino médio completo. Sou formado em Técnico em Eletricidade Industrial.Aprendi a fazer os primeiros socorros lá no Senai.Uma professora e um grupo de paramédicos nos ensinaram.Com isto salvei meu querido pai.
-E não exerces a tua profissão?
- Exerço. A de bebum ! (dá uma gostosa gargalhada). Sou baladeiro e bebum profissional.Até hoje não descobri o que fazer com meu certificado do ensino médio e muito menos com o do técnico.Virei bebum profissional...profi,meu senhor.
Com uma gargalhada gostosa se abaixa e começa a abrir a sua pasta.
-Olha a bomba! Olha a bomba! Vou lhe mostrar o que eu trago dentro desta pasta. Calma pessoal,é brincadeira,desculpem-me ! Sou muito brincalhão, mas não sou abusado!
Abre a pasta e para meu espanto lá dentro havia em torno de uma doze caixinhas de remédio, a maioria com tarja preta e uma garrafa pet pequena com um líquido cor de vinho. Havia documentos e papéis.Entre eles o certificado do ensino médio e do técnico que ele havia falado.
- O que é isto?
            - Senhor, isto é para que eu possa ficar feliz e se alguém não está feliz eu dou um destes comprimidos e pronto (grande gargalhada). Agora vou lhe mostrar a bomba.Aqui.Esta aqui é demais.
            Exibe uma garrafa pet cheia de vinho tinto e toma um gole.
- Esta faz esquecer que estudei para nada!Nada! Nada! Minha mãe é que me fez estudar e me levou no médico, pois eu era imperativo (outra gargalhada). Nada disso, eu sou bebum profi.Profi!
Aproxima-se o ônibus e ele rapidamente fecha a maleta. Dá um descoordenada corridinha.Entrando no ônibus vira-se e grita:
- Iluminado, fica com Deus! Olha a bomba! Olha a bomba!
Fiquei ali parado olhando o ônibus se afastar. O que leva uma pessoa a esta situação ? Como o espírito deste indivíduo vê este plano e a que veio, na verdade. Há culpados ? Quem?
Pensem nisto e tentem chegar a uma conclusão.

(Renato Hirtz - novembro 2011)

 

 Sem glamour político

Blog de coisastantasderenatohirtz :COISAS TANTAS DE RENATO HIRTZ, Sem glamour político
     Conversava um dia destes com um jovem que quer ingressar na carreira política. Já trabalhando em serviços comunitários vê a necessidade de poder legislar no âmbito municipal para conseguir realizar de forma mais eficaz os anseios de sua comunidade. Muitos projetos estão organizados na sua cabeça.
     Me dei conta é que a maioria deles eram grandiosos ou de grande impacto social.Sua vontade de acertar as coisas no seu município e na sua comunidade beiravam as raias da alucinação.Os argumentos para cada uma de suas ações são profundamente embasadas em dados técnicos e podem ser executados caso houver os tais de acordos políticos.
    Depois de ouvir suas propostas passeia comentar com ele um outro lado, um outro viés da gestão administrativa que me chama a atenção há alguns anos. O munícipe quer ver seus anseios atendidos, sejam eles individuais ou coletivos, pela administração pública de modo rápido e prático. Outra postura é que o cidadão não dá muita atenção ou valor a grandes obras pontuais,na verdade necessárias em sua grande maioria para o desenvolvimento de determinado bairro ou mesmo da cidade.O que ele quer é ver as necessidades básicas atendidas.E as vezes são pequenos detalhes que vão tornar a vida dele mais prazerosa e torna-lo mais confiante nos seus governantes.E estes detalhes não encarecem o erário público,ao contrário evitam grandes gastos ao final do processo.
     Ponderei com ele que pequenas ações tornam o ambiente onde vive os cidadãos muitas vezes são mais importantes do que grandes obras. O concerto da calçada,a lâmpada da rua queimada,a colocação da tampa de lobo que está quebrada,a colocação de uma porta na associação dos moradores,um enfermeiro há mais neste ou naquele posto de saúde,enfim conjunto de pequenas ações administrativas que são muito mais reconhecidas do que reformas ou construções de maior vulto.
   Comentei a ação de um departamento de água e esgotos que formou uma equipe de sete ou oito funcionários que numa ação sem maiores custos e evitando gastos muito mais elevados verificavam casa por casa, rua por rua, bairro por bairro as conexões de canos de água entre a rede externa e interna para localizar vazamentos de água e caso existissem solucionavam o problema imediatamente ou agendavam a sua correção. Pouparam custos com desperdício de água,omissão de pagamento de taxa de consumo de água por possíveis desvios e evitavam,desta forma,consertos mais complexos que iriam certamente onerar os cofres públicos de forma direta ou indireta.
     São pequenas ações,assim como o concerto de cadeiras na sala de espera das repartições públicas,aquele simples fio pendurado no consultório médico do posto, o vidro quebrado na escola, a poda sanitária da árvore cujos galhos caem sobre o passeio público, a placa simples com o nome das ruas, as setas de indicação de bairros tornam a cidade mais aprazível e os habitantes mais felizes.
    Poderia ficar relacionando uma série de coisas que se pode fazer num município com custos menos elevados e até,muitos deles,em parceria com o próprio cidadão ou suas associações de bairro,recebendo estes um abatimento em seus impostos prediais,por exemplo,se estabelecem compromissos de conservação da limpeza de suas ruas ou outras atividades que serviriam para desenvolver a cidadania.Há ruas de determinados bairros que os moradores fazem um verdadeiro festival de integração,aos sábados pela manhã,limpando suas calçadas e meios fios,regados a boa conversa entre um chimarrão e outro.
    Quando calei, o jovem ainda sem a marca da vivência política, propriamente dita, sorriu timidamente e concordou plenamente comigo ressaltando apenas que tudo isto era possível realizar, mas não teria o glamour político e não daria discurso nem voto a uma pretensa reeleição ou eleição.
     Coloquei minha canção e viola na sacola e mudei de assunto. 

Autor:
Renato Hirtz

Fonte imagem:

 

 Causo : Seu Ziraldo

Blog de coisastantasderenatohirtz :COISAS TANTAS DE RENATO HIRTZ, Causo : Seu Ziraldo 
 
   





      Vovô Ziraldo ou tio Zira como era conhecido pelas pessoas é uma figura especial. Aos oitenta e dois anos possui um nível de vaidade que beira as raias da alucinação.Cabelo cuidadosamente cortado e penteado,barbeado com requinte e com um bom gosto para se vestir provocava até nos mais jovens uma inveja saudável. Para dar uma voltinha por aí com sua “eterna noiva” de oitenta anos não media esforços.Dona Hortência recebia uma severa reprimenda se descuidava da aparência e estilo ao se vestir,observando com rigor quando o peso dos anos fazia vacilar seu caminhar elegante.
   - Olha a corcunda, Tência ! (o nome original foi abreviado com o passar do tempo). É de bom tom mulher andar corretamente com sapatos de saltinho. Não tirava os olhos da postura de sua mulher. Sempre foi muito exigente consigo e com sua esposa ao longo dos quase 65 anos que se conheciam.Compra de perfumes,cosméticos,sessões de massagens,cabeleireiro,dentistas e visitas sistemáticas ao doutor ,ou melhor,aos doutores eram religiosamente efetuados.Nada podia atrapalhar as suas vidas ou afetar a aparência deles.
   Dona Hortência fala com orgulho da beleza que seu Ziraldo possuía na juventude e do seu ciúme que lhe corroia as entranhas quando iam aos bailes do clube da cidade natal. Os olhos verdes,o cabelo loiro liso e grosso caído na testa, seus ombros largos provocavam frenesis nas garotas quando ele adentrava ao salão e sofriam com os "olhos gordos " que botavam quebrantes ao namoro dos dois.O casamento,a lua de mel e dali para frente o relacionamento sempre foi intenso. Vô Zira com um sorriso de canto de boca estufava o peito fazendo um barulho gutural para disfarçar orgulho que crescia no íntimo ao ver sua noiva falar tudo aquilo. Neste momento ele interrompia com aquele ar de inocente humildade:
   -Não é tudo isto. Eu dava para o gasto.Linda sempre foi a Tência.Olhos negros combinando com a cor do cabelo,pele morena,lábios de uma grossura sedutora,seios....seios fartinhos,coxas na medida e aquele traseiro...
   - Tenha mais respeito Zira. Tem visita na sala.Depois de velho ficou tarado ?
   - Fiquei não. Sempre fui ! E a culpa é deste teu corpaço...
   -Quieto! Já chega. És de pouca vergonha.
   Houve uma sonora e gostosa gargalhada e o som de um beijo na face da dona Hortência que revida com o cotovelo afastando carinhosamente o seu velhinho de perto.
   -Modos... modos menino.
   E assim viviam os dois numa verdadeira casa de boneca onde uma vez por semana se fazia presente a Marli para fazer uma faxina. E ela era motivo de uma briguinha entre os dois.Dona Tência cismava que Zira não desgrudava o olho do traseiro da faxineira e ele negava de mãos juntas "por esta luz Divina que me ilumina".
   Quando a filha mais velha ia visitar os dois havia uma conversa muito particular entre mãe e filha. E o assunto era timidamente repetido pela dona Tência:
   -Acho que teu pai à medida que avança na idade está ficando tarado, maníaco ou esclerosado. Coloca horário para tudo.Principalmente quando chega a noitinha.Café da tarde tem que ser as quatro,janta as sete e deitar tem que ser as 10 horas.Nem um minuto mais,nem um minuto menos.
   - Ah, mamãe! Estas são manias de pessoas idosas. Vocês sempre estabeleceram horários para tudo quando éramos crianças.E papai fixou esta rotina.
   - Menina ele entra em pânico quando não consegue deitar no horário e só falta mandar as visitas embora quando se aproxima do horário de dormir. E,o pior é em relação ao sexo.É quase todos os dias me incomodando e sempre no mesmo horário.Ele não perdeu as forças ainda.
   - Calma mamãe. Ainda bem que papai tem saúde e não está entrevado numa cama ou coisa parecida.
   -Outro dia fomos a uma festinha de aniversário de uma vizinha, lá no final da rua e ele me fez passar por uma situação constrangedora. A festa estava ótima,bastante salgadinhos,docinhos e refrigerantes e quando o relógio marcou nove e meia da noite me deu a impressão que ele tinha sofrido uma possessão demoníaca.Queria ir embora de qualquer jeito.No meio de uma boa prosa com uma conhecida minha tive que deixar a mulher falando sozinha.Teu pai me agarrou pelo braço com aquela mãozona e quase me arrastou pela rua ,pois tinha que chegar em casa as quinze para dez.Tu acredita ?
   -Vou falar com Gilberto. Meu irmão vai falar com papai sobre isto.
   - Não cai na asneira de dizer que eu falei alguma coisa. Diz para Gilberto dar uma volta e sondar a situação.
   Passado alguns dias, lá estava Gilberto assando um churrasco para recepcionar os dois progenitores. Vô Zira não dispensava uma boa cerveja sempre que podia comemorar alguma coisa.Estar na casa do filho comendo um churrasco,sentado numa boa cadeira de praia,vendo os netos correndo pelo pátio merecia uma comemoração.
   -Pai, como estão as coisas?
   -Não podiam estar melhores. Tudo em paz,aposentadoria na medida certa,tua mãe com saúde ,eu e meu velho guerreiro firme e forte.....o que mais que eu quero.
   -Vais ficar aqui para dormir e aproveitar o domingo conosco.    Seu Zira remexeu o corpo na cadeira, ficou hirto e quase em estado de choque falou com voz alta e firme:
   -Não! Não! Não trouxe meus remédios e não posso passar sem eles. Nada disso.Oito horas me leva para casa,pois antes das quinze para dez tenho que tomar meus remédios e deitar com tua mãe as dez.
   -Hei, mas porque este estresse?Qual o motivo desta angustia?E porque este horário tão rígido?
   -Rapaz, não contraria teu pai. Tenho oitenta e dois anos e não é tu que vai me dar rumo agora.Vou para casa.Eu e tua mãe tomamos nossos remédios e dez horas....cama !
   -Não entendi a necessidade dos quinze para dez e deitar às dez horas.
   -Putz!É que eu separo os remédios da tua mãe e os meus. No meio dos nossos remédios eu coloco a azulzinha.Rapaz,o efeito começa em quinze minutos e não sou bobo de perder o efeito que provoca em mim e na tua mãe.
   Ouve-se uma gostosa gargalhada que é interrompida rapidamente pelas mudanças faciais do Vô Zira. Com uma carranca de botar medo até em fantasma olha para o filho e dispara:
   - Se tu me contar para tua mãe ou para mais alguém... eu te capo e nem azulzinha vai adiantar.Assunto encerrado e me passa uma lasca desta picanha mal passada.
   Sem acreditar no que ouviu Gilberto só consegue dizer:
     -Sim senhor.

Renato Hirtz
Março/2011

  A PRETA CREUSA

   Barbosinha era um funcionário de uma Secretaria da Educação. Formado em Pedagogia, com especialização em Supervisão Escolar, foi transferido para uma Coordenadoria de uma cidade do interior. Era um especialista em educação e como tal muito educado, trabalhador, dedicado e gostava do que fazia.
   Recém chegado na Coordenadoria, como é natural, não tinha noção de como era a rotina de trabalho, com os colegas e com os meandros da política local. Ficou determinado pela chefia imediata que iria fazer supervisão nos estabelecimentos de ensino no interior da região. Orientar,verificar e resolver “in loco” os problemas que pudessem estar ocorrendo na dinâmica pedagógica era sua missão.. Os locais eram os mais diversos e variavam as distâncias. Algumas escolas se localizavam a grandes distâncias,levando quase meio dia de viagem,ainda mais pelas condições precárias de acessibilidade.Foi-lhe dito que a visita de um supervisor a estas unidades escolares,em 99% dos casos,era uma festa.Isto acontecia porque os professores e as diretoras das escolas gostavam das “novidades” referentes à educação e outros assuntos (fofocas,na verdade) que estavam em pauta no momento.
   Mandaram o Barbosinha falar com o encarregado do transporte. Ele teria uma condução disponível para seu deslocamento e de outros colegas supervisores que o acompanhassem,caso houvesse necessidade.Não perderiam tempo utilizando-se do transporte coletivo que era precário na região e com horários reduzidos.
   Lá se foi o “Professor Barbosinha”, feliz da vida conversar com o encarregado do transporte. Seu Virgílio, funcionário cedido pelo município sede, era um baixinho, atarracado, com um bigode de fazer inveja e com uma melena penteada no capricho com gel fixador. Estava encostado na Brasília76,carro oficial azul e branco usado pela senhora coordenadora.O carro tinindo de tanto lustre estava embaixo da sombra que fazia uma velha figueira.Coçando a orelha com aquela espetacular unha do dedo mínimo,ficou só de olho no “peão” que vinha se aproximando.
   -Sou o professor Barbosa. Muito prazer em conhecer o colega.Sou o novo supervisor da coordenadoria.Vim conversar com o Senhor sobre a condução que vamos usar para visitar as escolas.
   -Ah!Sim, sim. O Senhor vai usar a Preta Creusa. O sistema está funcionando. Às vezes a bateria dá “os doces”,mas é só da um tranco e a coisa funciona.As “luz”,conforme a buraqueira apagam,mas logo volta.O resto funciona normalmente.Só tem que cuidar é com a direção .É muito sensível e o setor de direção tá com uma pequena folguinha.
   O Barbosinha não quis interromper o Seu Virgílio. O que ele havia perguntado ou pensou em perguntar é como ele poderia dispor do veículo que iria usar.
   -Não se esquece de ver com antecedência – continuou o Seu Virgílio cofiando o bigode com a unha de tamanho avantajado – é a distância que vai andar para calcular o quanto tem que levar de gasolina extra. O senhor vai abastecer nos postos de gasolina indicados pelas prefeituras dos municípios que fazem parte da região.Vamos ver a “preta” e já lhe deixo com as chaves.    Quando o Seu Virgílio abriu a porta da garagem, o Barbosinha quase teve uma síncope cardíaca. O veículo,a “preta Creusa” era uma Rural 1966(e olha que o fato ocorreu em 1987) de cor preta,com uma tarja branca nas portas,com uns escritos que só dava para ler “SUTERGS” ou coisa parecida.
   A porta do motorista quase veio abaixo quando Barbosa abriu, forçando um sorriso de contentamento. Os bancos uma vez foram pretos  possuíam remendos de matizes variados.Barbosinha limpou com a mão aquilo que chamavam de banco e sentou-se com uma palidez invejável.Virou a chave e tentou dar partida do motor.Só ouviu-se um “tec”.
   - Para que é a bateria. Eu falei que ela era geniosa.Tem uma de reserva lá atrás.Faz-se uma ponte e já era,falou Seu Virgílio. Feita a ponte foi dada à partida no motor. Quando o motor começou a funcionar parecia que o ar ao redor do famigerado veículo havia sumido.Uma espessa nuvem de fumaça branca tomou conta do local e o cheiro de gasolina tornou-se insuportável.
   -Eu não disse! Gritava emocionado o Seu Virgílio. A “preta creusa” não nega fogo.O senhor passa no posto de gasolina da esquina e abastece.Depois passa no Setor de Manutenção da Prefeitura e pega um macaco do Brás emprestado,caso fure algum pneu.
   Corcoveando que nem mula lá se foi o Barbosinha tentando dirigir aquele veículo do inferno. Era uma situação de risco de vida imediato.O freio funcionava na quinta pedalada,o volante tinha exatamente duas voltas e meia de folga,as marchas engrenavam quando queriam (e escapavam também da mesma forma!)....mas fazer o que ? Era aquilo ou longas horas de espera na beira das estradas pelos ônibus de linha.
   Abastecido o veículo dirigiu-se ao Setor de Manutenção como havia sido orientado.
   - Boa tarde! Vim pegar o macaco do Brás... Nem tinha terminado de falar Brás e se deu conta do que tinha dito. Barbosinha,pensou,sobre a mancada produzida!
   O atendente que estava na entrada do portão com um sorriso no rosto grita pelo nome do Brás. Um negro com um metro e noventa,uma verdadeira muralha,vestido em um macacão que um dia devia ter sido amarelo,pois estava totalmente sujo de graxa aparece na porta do galpão.
    - Hã ?
   Barbosinha gelou quando pensou que o atendente iria dizer exatamente o que ele havia falado segundos antes e saltou na frente dizendo:
  -Nada de importante.Só passei para conhecê-lo. O Virgílio manda lembranças e um abraço...
     Consegue engatar a primeira marcha e sai de fininho dando um adeusinho para o Brás que até hoje não entendeu nada.

Renato Hirtz
Outubro de 2004

  Vovô Zílio (verídico)

   Um velhinho daqueles que qualquer um gostaria de ter como avô. Alegre,perfumado e muito faceiro gosta de estar sempre bem informado.Não há o que não lê e está sempre atrás de boa informação.
   Lúcido, extremamente lúcido nos seus oitenta e cinco anos. Ainda trabalha em uma empresa três vezes por semana e produz satisfatoriamente para acrescentar a sua aposentadoria uma boa parcela de reais.Sua conversa é agradável,atual e uma boa fonte de informações sobre vários assuntos.
   Estes dias veio me questionar sobre mudança de sexo, pois sabe que sou professor de biologia. Fez uma relação de famosos e não famosos que trocaram de sexo alguns dos quais eu nem sabia que haviam feito isto.Bem falante,disse que não tinha nenhum preconceito sobre estes procedimentos,pois cada um tem o direito de escolher e dar um rumo a sua vida.A sua curiosidade era sobre os procedimentos cirúrgicos para tal fim. Sentei-me com ele na frente de um computador e comecei a mostrar uma série de slides onde apareciam todos os passos para realizar tal transformação.
   Como bom professor fui didaticamente explicando cada etapa,o que era feito e de que forma.Com muita atenção sentia que ia absorvendo toda explicação e entendia perfeitamente a leitura que fazia de cada imagem.Questionava quando não entendia e fazia comentários das dificuldades de recuperação do paciente,da técnica cirúrgica,do espantoso avanço da medicina e os slides foram mostrando a finalização da operação.
   Quando chegamos ao último slide onde aparecia o órgão genital feminino após certo tempo do ato cirúrgico, inocentemente voltei-me para ele e disse, automaticamente, que ali estava um homem transformado em uma mulher com os órgãos genitais ( vulva e vagina) perfeitos. Neste momento, vovô Zílio começou a rir. Passou a gargalhar quase convulsivamente sem parar.
   Fiquei sem graça,quase atônito me questionando o que havia dito de tão hilário para causar tamanho alvoroço.Após alguns segundos que pareceram uma eternidade,ele já refeito e vendo minha fisionomia de espanto,colocou sua mão sobre meu braço e disse:
   - Não fique abalado, meu filho. Não é nada com a troca de sexo ou com sua explicação que me fez cair na gargalhada.Se você não tivesse dito que aquilo era uma vulva e uma vagina eu não lembraria...Me dei conta que faz tempo que não vejo uma !
   Ainda sorrindo, agradeceu a explicação e saiu pensativo porta a fora.


Renato Hirtz
Fev/2011

 

CAUSO : JAMBOLÃO, O SEGURANÇA

       Era uma noite muito fria.
      Terminada a sua jornada de trabalho, sem carro e sem carona, o Professor Freitas ia pela rua pouco iluninada com sua pasta envelhecida pelio tempo e fumando um cigarro. Pensava nas contas a pagar, nos filhos, na esposa e nos seus alunos e alunas que poderiam ter uma vida bem melhor se ouvissem os seus conselhos.
     O professor Freitas era daqueles professores dedicado, correto e sempre buscando uma forma de auxiliar seus alunos com uma palavra amiga, com a dica de um luar para trabalhar, um curso gratuito para fazer, enfim, um paizão. Pouquissímos alunos e alunas não gostavam de conversar, brincar e, principalmente, assistir as aulas do Freitas. Um amigão,um paizão,um cara lehal diziam os seus alunos e os ex-alunos.
     Conhecia todo o mundo. O policial militar da quadra,o pai do fulano,a mãe do ciclano,a vó da beltrana e sabia das dificuldades que seus alunos passavam.Lá se iam vinte e tantos anos de profissão e não havia um rosto,um olhar,um gesto que não indicasse ao bom professor uma necessidade daquela gurizada.
     Lá ia ele por aquela rua em direção a parada do ônibus, quando ouve um ruído de um carro que se aproximava mansamente. Não pode ser, pensou o professor Freitas. Será que vou ser assaltado na vila que já dedico quase quinze anos de trabalho ?O que vão me roubar? Meu relógio paraguaio que consegui comprar com muito custo ou meu tênis que mal terminei de pagar. E se me roubam a pasta com os cadernos de chamada e minhas anotações nesta agenda que ganhei há dois anos atrás ? Não, só falta me roubarem o dinheiro dapassagem e euter que ir caminhando atéem casa. O som do motor, um ronco pesado e que marcava uma cadência horripilante se aproximava cada vez mais. O estômago do profesor Freitas se contorcia e a sensação do perigo eminente contraia todos os músculos corpo do professor.
     Uma pequena olhada de canto de olho e o quadro se tornou assustador. Um opala preto,com os vidros escuros e um turbo em cima do capo completou a dose de pavor que tomava conta daquele professor agora sentindo-se o ser humano mais indefeso da face da terra. O carro para alguns metros à frente e a porta de abre. -Mestre! A voz era rouquenha, tétrica e vinha do fundo dos pulmões de um jovem negro de uns dois metros de altura. Um verdadeiro ármario que saia de dentro daquele opala preto e se locomoviapesadamente na direção do franzino professor.
     -Mestre, o que faz aqui há esta hora? Tu tá perdido meu fessor?Com um sorriso escancarado e uma linguagem de malandro, o rapaz abria os braços na direção do professor que recebeu um abraço esmagador. O professor viu o chão se abrir aos seus pés, um suor gelado aflorou por todo o corpo e um calafrio insistia em arrepiar sua pele. Foram instantes de um verdadeiro filme de terror,pavor,pânico....Ele não sabia como descrever o que passará em sua cabeça;
     - Jambolão, que susto me deste. Estou indo para a parada de ônibus.Perdi minha carona e vou esperar o ônibus na esquina.
     - “No problem” meu mestre, eu faça a tua segurança até o ponto. Virando-se para o carro, já deixado um pouco para trás, grita para os três ocupantes que lá estavam:
     - Ô cachorrada, vamo acompanhá o mestre até a parada do ônibus fazendo a sua segurança. Na maior e de mansinho.Vamos firme,meu mestre que quem tá com o Jambo,tá melhor do que com Deus!
     - Tá bom.
     Foi à única coisa que o professor Freitas conseguiu dizer. Jambolão tinha sido aluno dele até a 5ª série e por uma série de razões havia parado de estudar e se dedicado a prática atos que iam de encontro aquilo que se chamava “ bons costumes”,infelizmente.
     - Gente boa, a voz era retumbante, tu não sabes que eu tenho boas lembranças das tuas trovas nas aulas que tu davas na 5ª série, porém, o negrão aqui tá batalhando numa outra área. Distribuo,dou atraque nos mané,mas lembro bem das tua lição,meu “brodi”.Sabes...Sabes que até dou uma graninha,por fora,para os menos favorecido aqui e ali.Ajudo os velhinhos e compra de mim quem qué.Não sou de insisti.
    - Ah! Entendo, mas tu estás bem? Não pensa em retornar aos estudos e concluir o ensino médio e batalhar por uma profissão mais tranquila?
      - Até penso meu mestre. O tempo é que é curto prá cumprir com todos os meus afazeres.O dia tinha que ter mais horas,vinte e quatro para todos os meus compromissos é muito pouco.
     E lá iam os dois na direção do ponto do ônibus. Chegando,o opala estacionou na esquina,deslizou os faróis e o motor.Um dos rapazes coloca a cabeça para fora,pela janela,e grita:
     - Temo aqui, quarqué coisa metemo bala e voceis se abaixa!
      -Não... Não é preciso nada disso, o professor Freitas nunca tinha passado por uma situação daquelas.
      O garotão contava dos assaltos,da venda de drogas,das atitudes disciplinares que impunha aos que lhe deviam e mostrava as duas pistolas que o acompanhavam na sua labuta diária.
     Ao mesmo tempo em que sentia remorso por não ter podido ajudar mais o então, menino da quinta série achava interessante que o “deliquente” mostrava um coração bondoso com alguém que uma vez tentou ajudá-lo. Era um verdadeiro paradoxo. Neste momento, explodiu-lhe na cabeça uma péssima e irreparável situação. E se naquele momento a viatura da polícia militar passasse por ali.Naquele momento,vendo aquele quadro.não haveria explicação que fizesse entender ele ao lado do indivíduo mais procurado do bairro por uma série de delitos.Imaginava a repercursão do fato.Cinco elementos detidos pela polícia entre eles um professor da escola do bairro ! Não, o martírio teria que ter um fim. Era uma mistura sensações que engasgava o pobre professor: o cuidado do ex-aluno para com ele e o histórico de transgressões que ele havia cometido. Verdadeiramente um terrível paradoxo.
     - Jambolão, aí vem um táxi lotação. Vou nele para não te atrapalhar e não chegar tarde em casa. O Jambolão dirije-se ao meio da rua e com os braços abertos começa a fazer sinal para o táxi lotação parar. O motorista ao vê-lo não sabe se acelera ou pára. Abre a porta do veículo e branco como uma folha de papel só tem tempo de dizer:
     -Sim...
     -Este é meu mestre. Leva ele na legal até onde ele disser e nós vamo só na proteção.
     “Meu mestre!”, pensou o professor Freitas. ”Meu mestre” do quê ? E subindo no táxi lotação virou-se para trás e falou:
     -Obrigado Jambolão. Valeu a força e te cuida!
     -É isso aí, mestre dos mestres. Toca a coisa que “estamo” na tua cola.
     O motorista riu amarelo e acelerou. Seus olhos não desgrudaram do retrovisor e devia estar rezando a todos os santos,pois era o professor Freitas e ele naquele veículo. Constrangido o que o professor conseguiu dizer foi:
    -Não sou mestre do que estás imaginando. Vai tranquilo que sou professor e aqui está o dinheiro da passagem.Ele foi meu aluno na quinta série. O que o professor Freitas ouviu a seguir foi um grande supiro do motorista e o ronco do motor do opala do Jambolão que vinha “na segurança”.

Autor
Renato Hirtz

 

 

CAUSO: A CARONEIRA

    Lurdimila era uma funcionária de escola, solteirona, cheia de manias e fricotes. Sempre pintada de modo exagerado que lembrava mais uma máscara chinesa do que outra coisa.Não gostava de ser comparada com as outras colegas de função, pois tinha feito o supletivo de 1º grau e achava que estava num patamar acima das demais.Em vista disto, não ficava partilhava recreio com as colegas e sempre exigia atividades menos pesadas.Adorava ficar encostada no balcão da secretaria e de quando em quando se metia a dar informações e a despachar pais e outras pessoas que ali compareciam.
     Tinha uma mania que todos os colegas detestavam. Não se descuidava de escalar-se para uma carona e muitas vezes exigia a alteração de roteiro de quem lhe dava a carona, ou para vir para a escola ou para ir de volta a sua casa.Não esperava ser convidada e o pior, não colaborava com a vaquinha para a gasolina.E, morava a uns 10 minutos de ônibus da escola.
     No horário da saída dos alunos e professores, o pessoal que tinha carro e já possuíam seus caroneiros tratavam de ir logo embora (quase fugindo), pois a Lurdimila, mesmo com o carro lotado, pedia carona e dava um jeito de entrar e sentar-se de modo confortável.
     Paulo Emílio e Sérgio Ricardo eram dois jovens professores que faziam parte daquele sofrimento. Morando num outro município e nas proximidades do mesmo bairro iam sempre juntos de carro, alternando ora no carro de um ora no carro do outro para poupar combustível.Eram dois grandes gozadores e não perdiam uma chance de se divertir ou aprontar alguma brincadeira com os colegas.Nada de maldade, mas sempre estavam atentos para uma “pegadinha”.
      Os dois professores eram considerados excelentes, além disso, estavam sempre dispostos a colaborar nas atividades extraclasse, preocupados com o rendimento dos alunos, procurando trazer sempre novidades e atrativos para seus alunos. Os dois ainda estudavam na Universidade, trabalhavam outras escolas e tinham seus compromissos sociais como todo o bom jovem.
     Viviam, por isso, sempre com os horários preenchidos e voando de um lugar para o outro cumprindo com suas obrigações. Andavam sempre no limite de velocidade em seus fuscas a fim de cumprir com suas obrigações.
     Certa vez, saindo da escola, já com o fusquinha lotado (com outros dois caroneiros) foram barrados pela Lurdimila.
     -Professor Sérgio Ricardo, hoje o senhor não escapa de me dar uma caroninha. Podiam me deixar na praça central da cidade.Tenho um compromisso e não posso chegar atrasada.
     -Mas estamos com o carro lotado. Veja se outro professor não te leva para lá.Sérgio Ricardo não gostava de colocar mais de quatro passageiros no seu fusca, pois forçava muito a suspensão do carro e o consumo de combustível era maior.
     -Mas é só até o centro. E os outros professores estão com os caroneiros certos.E estou com pressa e eles se amarram muito para sair.
     E Lurdimila não espera resposta. Mete a mão no trinco da porta, empurra o banco do passageiro (com passageiro e tudo) e entra com seu traseiro grande dentro do fusca.Sentou é o modo de dizer.Ela despencou em cima dos dois colegas e os esmagou nas laterais do veículo.
     -Vamos professor. Estou com uma pressinha.Não posso me atrasar.
     Sérgio Ricardo, furioso com a situação e pronto para dar um fim naquilo tudo, arranca com o fusca acelerando tudo o que podia e imprimindo a velocidade máxima que o carro permitia. E já conhecedor da estrada fazia as curvas para direita e esquerda em velocidade e perícia de um piloto de provas. O fusca voava pela estrada que separa a escola do centro da cidade.
     A cada cantada de pneus, nas curvas, o silêncio dentro do carro aumentava.A conversa foi se extinguindo até que se fez um silêncio mortal. Lurdimila quase em sussurro bate no ombro do Sérgio Ricardo e diz:
     -Professor, eu estou com pressa, mas nem tanto. Pode ir um pouquinho mais devagar.
     -Esta é a velocidade normal que eu ando. E olha que hoje eu não estou com pressa. E Sérgio Ricardo continuava sua desabalada carreira até o centro da cidade. Na praça central ele para o carro com uma freada de queimar pneus.
     -Chegamos dona Lurdimila. Bem no horário.
     Neste momento um cheiro de urina toma conta do interior do carro. Todos se olham e Lurdimila branca como um papel, diz:
     -Não adiantou nada chegar no horário. Entra na próxima rua e me deixa em casa que eu “afrouxei as urinas” e tenho me trocar. 
    Sérgio Ricardo estava furioso, pois o banco traseiro do fusca estava molhado de urina, arranca com o carro, novamente, em desabalada carreira e para na frente da casa da Lurdimila.
     -Pronto. Amanhã eu trago a conta da lavagem do carro.Quando quiser outra carona é só pedir.
     Entre risos e lamentações pelo cheiro da urina que pairava no interior do carro, lá se foram os quatro professores aos seus destinos.,porém, tinham uma certeza:Lurdimila nunca mais iria pedir carona para eles.
     E assim aconteceu.

Autor:
Renato Hirtz

 

 CAUSO: A MOELA

     O dia estava ensolarado. Havia aqui e ali uma cerração característica das manhãs de inverno, nos lugares mais baixos.Com o passar das horas se dissiparia. O grupo de supervisores da Delegacia de Educação estava aposto esperando a condução que os levaria a uma escola distante do município sede.Se tudo ocorresse normalmente, chegariam lá por volta do meio-dia.
     A diretora da escola já havia entrado em contato com a Chefia da Supervisão avisando que esperaria com um almoço quase festivo o grupo de supervisores.
     Adroaldo era o supervisor administrativo.Já aposentado, por sua experiência e dedicação, havia retornado ao trabalho.Homem matreiro sabia soltar uma piada ou gozar com a cara de alguém sem formar o menor sorriso.Era terrível, por exemplo, ficar ao seu lado durante uma reunião.Falava aos sussurros os maiores impropérios e sandices que se poderia esperar. Martha e Gélica (era assim mesmo o nome desta professora) faziam uma dupla e tanto.A primeira era supervisora pedagógica e a outra, administrativa.Eram a corda e a caçamba.Não havia cristo que as separasse quando tinham que exercer suas funções profissionais.Nem imaginavam os seus apelidos: a “gorda” e a “magra”. O professor Marinho era um gaudério dos bons.gente fina mesmo.Bonachão, com um bigode de fazer inveja, misturava a pilcha gaúcha com o abrigo esportivo, já que era professor de educação física.Quando dava uma folguinha corria ao carro e tirava da porta-mala o seu violão.Milongueiro dos bons. Havia a Fabrícia e a Francisca.A primeira era uma moça magrinha de fazer dó, porém muito competente e simpatia, fazia par com a Professora Francisca, sua tia.Era uma senhora cinquentona, que se colocava como mãe de todos tanto para elogiar como para dar carraspanas se as coisas não corriam bem. Lindomara era assistente de gabinete.Moça despachada e voluntariosa.Não queria saber de nada se tivesse de comprar uma briga em nome do Coordenador.Uma crítica mal colocada e a peleia era das brabas.
     Embarcaram cedinho, os sete, com destino a dita escola. Lá pelas dez horas da manhã já apresentavam certa fadiga.Estavam cansados de ouvir os causos e piadas do professor Adroaldo.O traseiro ardia e a fome começava a incomodar.
     - Para o carro (era uma Kombi, o veículo de transporte) em uma lancheria para que possamos comer alguma coisa e esticar as pernas, seu Romualdo,falava a professora Lindomara que não conseguia ficar parada muito tempo em um mesmo lugar.
     Seu Romualdo era o motorista.Baixinho, de barba bem escanhoada, cabelo detalhadamente penteado.Parecia um cantor de boate (das brabas!). Entre “vou comer isto” e “acho que vou comer aquilo”, o professor Adroaldo olhou daqui e dali e por fim pediu uma água mineral.Sentou-se um pouco afastado do grupo das “meninas” só observando o local.
     -Me dá um pão louco de especial com salamito e um copo de café preto, pediu o professor Marinho e foi comer o “especial” em baixo da figueira que ficava na frente da lancheria. Sanduíche aqui, pãozinho com manteiga para lá, fatia de bolo àquela e Fabrícia, muito gulosa, pediu um pastel dos grandes e um refrigerante. Conversa vai e vem e Fabrícia depois de ter comido metade do pastel “saborosissímo”, elogia:
     - Espetacular este pastel feitinho na hora.Tem até azeitona preta das grandes! Neste instante, o professor Adroaldo chega na mesa das “gurias” e com um tom irônico diz: 
     - Falem baixo, pois caso contrário o cascudo que esta no pastel da Fabrícia acorda e voa!
     O silencio foi geral e acompanhado de espanto.Todas olham para o pedaço de pastel na mão da Fabrícia.Era um cascudão daqueles bem alimentados, duro e lustroso. O banheiro ficou pequeno para as “gurias” vomitarem até a alma.
     Passado o pânico e refeitas do acontecimento se dirigiram como uma “carga de cavalaria” em direção ao dono da lancheria.Este estava com um pano entre as mãos e o torcia com desespero.Encostado no balcão estava o Professor Adroaldo (com aquela cara inocente), o professor Marinho (tapando a boca para não mostrar o largo sorriso) e o seu Romualdo (com uma cara de velório). Fabrícia se deslocava socando o chão, em coro com as demais, fulminando o dono do estabelecimento com o olhar.Levantou o dedo indicador na direção do proprietário da lancheria e quando ia abrir a boca foi interrompida pelo professor Adroaldo.
     - Calma professora! Está tudo acertado.Com o pedido de desculpas do senhor aqui vai de graça o refri, o pastel e o cascudo de lembrança. Foi água fria na fervura.As “meninas” ficaram sem saber o que fazer.Os três saíram de fininho escondendo o riso de gozação pelo acontecido. As “gurias” entram na Kombi sem dizer uma palavra, com o estômago embrulhado, a fome já corroendo e a raiva à flor da pele pela atitude doProfessor Adroaldo.
     Na escola foram recebidos pela professora Miguelina, uma alemã possante que efusivamente recebeu a todos e os conduziu a uma sala de aula improvisada como refeitório. Ela tinha sido designada como diretora para aquela escola, pois havia concluído o normal rural (um tipo de supletivo para as professoras que não possuíam titulação).
     O cardápio constituía-se de canja de galinha, arroz com galinha e salada de batata com galinha desfiada.Como a fome era tanta, a canja de galinha foi consumida com grandes elogios à diretora que tinha passado a manhã preparando tudo.Só o professor Adroaldo não comia a canja colocada em seu prato, não parava de falar e quando questionado pela sua atitude, justificou que a viagem o havia enjoado e lhe tirara a fome. Fabrícia com seu apetite quase doentio pediu licença para o Professor Adroaldo perguntando-lhe se podia aproveitar e comer a canja de seu prato.O professor com um sorriso quase diabólico, coloca o prato na frente da colega e diz:
     -  À vontade colega.Se gostares de uma deliciosa canja com moela inteira, faça bom proveito!
     Boquiabertos todos se entreolharam com o rosto deformado pelo espanto. A corrida campo afora foi maravilhosa de se ver.Vômitos compulsivos,gritinhos nervosos de nojo e desmaios ocorreram.A Professora Miguelina se esvaía em pedidos de desculpas.O professor Marinho e o motorista Romualdo riam e ainda criticavam a desfeita:
     -Empurra a moela para o lado e continua comendo. Ela estava fechada, porqueira.Não tem problema.A fome é tempero de qualquer comida - falava o professor enquanto saboreava o tão badalado arroz com galinha e salada de batata,depois sorver tão famigerada canja.
     Já o professor Adroaldo sentado na sombra de uma árvore comia com prazer um pacotinho de bolachas recheadas,com sorriso disfarçado de satisfação sarcástica pronto para iniciar os trabalhos de supervisão.

Autor:
Renato Hirtz

 

CAUSO : O CHATO DA TURMA

     Astrogildo era um daqueles alunos criados no interior.Por mais que se esforçasse não conseguia perder o tipo característico de “grosso”.De origem alemã, mantinha o sotaque carregado e aquele jeito ingênuo de interiorano.Em se tratando de boas maneiras ou etiqueta não possuía nenhuma.Sutiliza e “fragnômetro” passaram longe do rapaz.Em compensação, estava sempre pronto para ajudar os colegas e professores no que precisassem.
     Apesar de ser corpulento tinha uma simpatia pueril que atraía seus colegas.Era o colega que divertia a turma, provocando risos e levantando o astral de todos ora com suas frases mal formuladas ou com suas intervenções desastrosas na sala de aula.
     Na sua turma, 1º ano do ensino médio, era considerado um aluno abaixo da média, porem muito esforçado.Às vezes se tornava chato.Atrapalhava o andamento das aulas com suas parvoíces. Com “as guria” , como dizia, era um desastre se bem que muitas colegas o consideravam um gatinho.Não podia abrir a boca senão estragava tudo.Se falasse era um caos.Com um vozeirão de “alto falante de poste” , como os colegas o chamavam, dava um susto certeiro em quem estivesse por perto ou se falasse ao ouvido de alguém.
     Quando estava numa “roda” o pessoal já ficava de sobreaviso.Gesticulava muito quando falava e com isto não era raro dar um tabefe em alguém, sem querer.Se chegava para cumprimentar ou abraçar um amigo a coisa ficava perigosa.Quase esmagava a mão do sujeito ou quebrava costelas com um “abraço amigo” .
     Era um trapalhão devido ao seu tamanho e modos bruscos.Se entrava atrasado na sala de aula, junto com o pedido de “cença” ouvia-se um estrondo.Era a porta que ele fechava atrás de si.Se um professor o chamava para fazer alguma coisa ou lhe entregar algo, podia contar que a cadeira onde estava sentado ia parar no chão.
     As intervenções que fazia durante as aulas eram cômicas e tiravam a concentração da turma e provocavam largas risadas.O problema que as perguntas que fazia eram realmente dúvidas para ele.
     - “Fessora” o sujeito da frase não é o cara que faz a ação? - questiona seriamente a professora de Língua Portuguesa.
     -Sim, é aquele que faz a ação.Qual a dúvida?
     -E o que tem que ver o sujeito oculto se eu não sei quem é?Como vou saber se foi ele ou outro que fez a coisa?
     -Calma Astrogildo.Vamos por parte.A expressão sujeito oculto.....A professora com toda a paciência esclarece da melhor forma para Astrogildo o significado de sujeito oculto. Nas aulas de Matemática tudo complicava.Era muito difícil entender tantas regras e fórmulas. 
     -Astrogildo, pega a tua calculadora e soma para mim 7,39,mais 4,325 e 9,45.Qual é o total? Houve um breve instante de silêncio na sala e todos dirigiram a atenção para o rapaz que não tirava os olhos da calculadora.
     -Não dá pra fazer “ssor”.A minha máquina não tem vírgula ou não “to” achando a dita.
     Os colegas se entreolharam com risadinhas discretas de escárnio.O professor forçou um sorriso amarelo, engoliu em seco e iniciou uma explanação de como utilizar corretamente a calculadora.
     E assim o Astrogildo ia levando o ano letivo, refazendo um trabalho aqui, recuperando uma disciplina ali e superando com muito esforço os obstáculos que vinham pela frente. 
     Com história, geografia e inglês as coisas iam relativamente bem.Tirava a nota que precisava para manter-se na média.
      O problema pior era as aulas de biologia.Apesar de ter um interesse quase doentio pelas aulas, seu desempenho era terrível.Adorava como o professor ministrava as aulas, quando “borboleteava” com assuntos paralelos a disciplina e quando, para relaxar, contava “a boazinha do dia”.
     Às vezes não entendia “de cara” a piada contada pelo professor, mas participava da risada geral.O mais interessante, e tentava imitar, era a “malandragem” do professor em driblar as sacanagens que os alunos preparavam para fazer uma “gozação” sobre algum assunto ou situação em sala de aula.
      E uma certa ocasião, o professor concluía o conteúdo do bimestre que era sobre Reprodução Humana, depois de ter respondido quase uma centena de perguntas (a metade do Astrogildo!) e revisado certamente uma três vezes, explicou o conteúdo que cairia na prova bimestral.
     O Astrogildo entrava em pânico cada vez que ouvia a palavra prova ou teste.Desta forma, despejou sobre o coitado do professor uma série de perguntas relativas a prova.Com uma paciência divina o professor procurou esclarecer da melhor forma Já trôpego e com uma certa impaciência o mestre prepara-se para sair da sala quando o Astrogildo questiona quase aos berros:
     -“Ssor”, os genitais entram na prova?
     - Sim, Astrogildo.O Capítulo sobre os Órgãos Genitais cai na prova.
     - E os testículos entram também?
     O professor no limite de sua paciência e já atordoado com o burburinho característico da troca de períodos e saindo pela porta, berra:
     - Se entra eu não sei, meu filho, mas que ajuda.... ajuda!
     A turma cai numa gargalhada só e Astrogildo ficou sem entender nada!

Autor:
RENATO HIRTZ

CAUSO: CAÇADORA DE BORBOLETAS PERDIDAS

       Lá estávamos nós eufóricos para colocar em prática toda a teoria das aulas de Zoologia Animal obtidas no terceiro trimestre do Curso de Biologia. O professor extremamente exigente,com domínio fora do comum do conteúdo e de uma didática invejável havia marcado uma pesquisa de campo e coleta de material numa área de preservação natural localizada próximo a instituição de ensino. Feitos todos os preparativos e com um roteiro minucioso do que deveríamos observar, identificar e coletar .
     Entramos em um ônibus e nos dirigimos para lá.Éramos em torno de quarenta e poucos alunos com mochilas,redes para coletar borboletas e outros insetos,vidraria para guardar coletas e uma boa porção da bobice da juventude e do afã de obter o melhor material coleta de toda a turma. Lá chegando, não houve tempo de escutar as últimas palavras do professor alertando para os cuidados com o terreno e com os animais mais agressivos ou perigosos existentes no local.
     O objetivo estava muito bem definido: identificar,desenhar e descrever o maior número de espécies e coletar o maior número de espécimes possíveis mesmo que para isto houvesse uma verdadeira depredação animal no local.Era o ímpeto de mostrar que sabíamos e que éramos capazes de fazer uma excelente coleta para obter uma boa nota.   
      O quarteto era formado por três meninas e um rapaz que em grande alarido se dirigiam para um aglomerado de árvores, muito fechado e quase intransponível. Entre gritinhos e risadas sumiram em meio a vegetação e não conseguiram ouvir o final da frase do professor orientador,nem o reforço gritado pelo seu assistente: - Cuidado com... - Têm algumas... Não se contou cinco minutos e ouviram-se gritos e o farfalhar dos galhos das arvores, pássaros que alçavam vôo e a voz estridente do rapaz:
     - Corre, corre e não olha para trás!Não para, larga tudo! Os outros alunos que estavam por perto, mais o professor assistente que estava atendendo um grupo mais adiante correram na direção dos gritos e viram o quarteto sem fôlego saindo do mato em desabalada corrida, gritando e gesticulando:
     - Sai! Sai!
     Outra menina berrava:
     - Corre! Corre! E o que se viu atrás deles era uma espécie de nuvem negra, em forma de uma seta gorda, produzindo um zumbido nervoso...
     - Abelhas!
     E o último a chegar ao portão da reserva foi o professor com uma leve torção no joelho devido ao escorregão durante a maratona indesejada. Entre uma puxada de ar e outra o professor consegue pronunciar:
     -Eu avisei que naquele local havia várias colméias e que vocês deveriam adentrar com cuidado para não provocar as abelhas, mas acho que não me ouviram. E o rapaz com os um vitorioso brilho nos olhos olha para o professor, aproxima-se e mostra um vidro:
     - O susto foi grande, mas não perdi a viagem. Consegui capturar uma abelha....um inseto himenóptero, apídeo e/ou meliponídeos !
     O professor com a face de um rubor indescritível e produzindo um sibilo alto vociferou a um palmo do rosto do aluno:
     - É... é...conseguiste um exemplar ? E pela burrice de vocês consegui dois ferrões de abelha aqui no meu pescoço!
     O quarteto saiu de fininho olhando por onde pisava. E a atividade continuou a pleno vapor, após comentários nervosos sobre o incidente.
     Cassandra era uma aluna dedicada e que se destacava por dois motivos na turma. Primeiro que obtinha excelentes notas nos trabalhos e provas e por ter um porte avantajado.Ela era alta e....bem fortinha.Tinha uma predileção estranha pela palavra lepidóptero que repetia sempre que podia encaixar na sua conversa.Borboletas era a sua predileção.E no trabalho que se desenvolvia na reserva ambiental o que mais ela procurava para observar,descrever,desenhar e coletar eram as lepidópteras...as benditas borboletas. E não era difícil vê-la com sua rede correndo ou se esgueirando entre os galhos na captura de um espécime.
     Quase no final da tarde Cassandra enxerga uma borboleta branca com desenhos em vermelho e preto. Um espécime lindíssimo.Ao som de gritinhos sai em desabalada correria atrás do animal com a rede de coleta.Todos ficam na expectativa da captura.A borboleta voa alto campo afora parecendo perceber aquele gigante na sua caça.As duas se afastam do grupo.Uma batendo asas ao sabor do vento e a outra imprimindo maior velocidade na corrida com o pescoço esticado e olhos fixos na presa.
     Neste instante o professor começa a passos largos acompanhar a trajetória da aluna. Segundos depois ele já corre com certa dificuldade pelo tombo ocasionado pelo incidente anterior.Os colegas começaram a ir atrás do professor.Já era uma corrida em grupo.Aproximam-se de um local com uma vegetação mais alta.Um capim muito verde que dava um toque especial a paisagem.O professor gesticula e grita:
     - Para! Cuidado com...
     E todos viram Cassandra afundar no campo até os ombros.
     -Ai! Socorro! -
     O professor se aproxima quase sem ar e consegue dizer:
     - Cuidado com o lodaçal!
     E Cassandra já sem sua rede de captura e em pleno desespero gruda-se nas pernas do professor que escorrega e se junta à aluna lançando lodo para todos os lados. Agora era um dueto que pedia ajuda. Os alunos conseguiram retirar o professor com certa dificuldade do lodaçal, mas Cassandra com todo o seu tamanho e peso foi impossível.
     Todas as táticas foram utilizadas.Só restou chamar os caseiros do local que vieram com um minitrator e puxaram a caçadora de borboletas para fora do atoleiro.
     A tarde caía, era inverno.
     Professor e aluna retornaram tiritando de frio,em pé no ônibus,para a Universidade.Fora a tímida gozação dos colegas,pela presença do professor e seu assistente ficou a frustração de Cassandra que não conseguiu seu espécime mais raro e ficou até o final do curso com o apelido de Caçadora da Borboletas Perdidas.

Autor:
Renato Hirtz

CAUSO: PARA NÃO ESQUECER

      A escola era num bairro de alunos de classe média e média baixa. Todos se conheciam, pois estudavam desde o Jardim de Infância. Consequentemente, a amizade era de longa data.Não obstante,haviam as rivalidades que surgiram com o passar do tempo ou com aqueles alunos que chegavam de outras escolas. Os professores conheciam todos. Costumes,potencialidades,dificuldades,os pais e até mesmo os avós.A escola era uma verdadeira família e os alunos se comunicavam sem necessitar falar tal o nível de conhecimento que possuíam uns dos outros.
     A turma era do terceiro ano do ensino médio e já se ia quase a metade do ano. O professor Rinaldo era querido por todos e tinha uma forma peculiar de ministrar as suas aulas que os alunos mostravam interesse e aprendiam bastante. Havia Reginaldo,um gordinho muito safado com cara de bebê que aprontava todas.O Severino era um magrão que esqueceu de parar de crescer e se destacava na turma,lógico,pelo seu tamanho e um vozeirão de amedrontar.Janira era a espoleta que acompanhava as travessuras dos seus colegas e vivia dando gargalhadas por qualquer coisa e José  que era um problema.Esquecido,tonto e muito nervoso era "tirado" sempre para sofrer nas mãos de seus colegas.
     E foi com ele que aconteceu uma “ocorrência” das brabas num certo dia. O professor Rinaldo estava ministrando uma “aula daquelas”, todo concentrado e eufórico por seus alunos estarem prestando muita atenção. O assunto era interessante para os alunos e por isto todos prestavam a atenção.Um cochicho aqui e outro ali era o máximo que se ouvia,além da voz do professor. José estava com os olhos e boca tão abertos olhando para o professor falar que este lhe dirige uma pergunta:
      - José está entendendo o que estou falando?
     - Hein?
     - Perguntei se estás compreendendo o que estou explicando?
     - O quê? -Por favor, José, preste a atenção, pois desta forma perderás o “fio da meada”!  
      - Fio do quê? Acho que já perdi.
     E, era este o grande defeito do José. Perdia tudo.Cadernos,livros,o inseparável boné (quando não o perdia),o horário,enfim era um esquecido. E a aula já se ia para o seu final. Haveria um intervalo e depois o professor Rinaldo continuaria na mesma turma para mais um período.
     -No próximo período usaremos o livro e anotaremos algumas coisas no caderno, falou o professor Rinaldo. Ele mal tinha acabado de falar e José interveio.
     -Professor eu esqueci meu caderno e livro da sua matéria. Trouxe todos os outros livros e cadernos,menos estes ! A turma caiu na risada.
     - Isto é filme velho, professor, o José não esquece o que está grudado no corpo, pois o resto já era, diz Reginaldo. E o sinal estridente do intervalo foi ouvido. Os alunos foram para o pátio gozar de seu recreio.
    No retorno do intervalo o professor Rinaldo deparou-se com um pequeno tumulto no fundo da sala de aula e no meio dele está José branco como papel e muito nervoso.
     - O que aconteceu aí, questiona o professor em tom de voz firme.
     - Olha só o que fizeram com meu material escolar professor! É uma barbaridade! Por que não vão fazer isto com as coisas das mães deles!
     José berrava já iniciando um choro de desespero. Professor Rinaldo se aproxima do bolo de alunos que rodeiam José e sua classe, abre caminho por entre eles e se depara com algo inusitado. Todo o material escolar do José estava geometricamente empilhado em cima da classe atravessado, geometricamente no centro,por um prego monumental que saia do outro lado do tampo da mesa.
     - O que é isso? Quem fez isto? Pessoal, isto é coisa que se apronte? Quem foi o mentor e o executor desta barbárie?- professor Rinaldo mantinha a fleuma, mas por dentro era uma cascata de risos. A cena era insólita, indisciplinada e ao mesmo tempo cômica. Como tiveram aquela idéia ? Indaga a turma e nada. O silêncio era fúnebre.Depois de usar de todos os seus artifícios de educador e até uma veia longínqua de policial,o professor determinou que chamassem a diretora da escola para solucionar o caso.
     Lá veio a professora Ernestina. Uma dama no trato com os alunos.Calma,firme e comedida em suas palavras e ações ouviu atentamente o relato do professor. Parou em frente a turma,olhou no rosto de todos,respirou profundamente e com um esboço de sorriso tímido se dirigiu candidamente para Reginaldo e disse:
     -Por favor, Reginaldo, pegue seu material e me acompanhe até a sala da Direção sem discussões prévias.
     Reginaldo num vermelhão pegou seus livros e cadernos, colocou embaixo do braço e saiu em direção ao corredor.
     -Por favor, José, disse a diretora, pegue seu material e se dirija, também, a sala da direção.
      -Sim senhora, estou indo...para onde mesmo ?
     E a turma veio abaixo numa gargalhada sonora quando José agarrou seu material para colocar embaixo do braço e a classe veio junta. A diretora e o professor não agüentaram ver a cena dantesca e tiveram que se unir aos risos da turma.
     -Desculpe, esqueci que pregaram meu material na classe.
     Na sala da direção a professora Ernestina questiona Reginaldo:
     -Por que pregaste o material do José na classe?
      Reginaldo sentado em frente à  diretora levanta os olhos com aquela carinha de bebe e dispara:
     - Todo o mundo diz que o José esquece tudo, só não esquece o que está pregado no corpo. Preguei o material dele na classe para ele não esquecer em casa.
     - Três dias de suspensão e só volta com o pai e a mãe, e vê se não esquece!
     E José olha par a diretora e pergunta ansiosamente ?
     - E porque mesmo a senhora me chamou aqui ?

Autor:
Renato Hirtz

 CAUSO: DISCURSO DE “CONTIÚDO” 

     Rubião foi eleito vereador por seus méritos, pelo seu esforço e pela participação efetiva nas ações realizadas em prol dos menos favorecidos da sua cidade. Criado pelo mundo, muito cedo teve que trabalhar e em vista disto afastou-se dos estudos quando estava na 3ª série do antigo primário. Matuto, de cultura reduzida, nunca se interessou em continuar seus estudos e com isto, tornou-se um indivíduo tido como “ignorante”, “grosso” e em bocas pequenas “muito burras”, mas era esforçado o vivente  

     A escola da vida e talvez, o seu instinto de preservação é que o auxiliavam na sua carreira política.Chegou a ser presidente da comissão de obras na egrégia câmara de vereadores de sua cidade.

      Certa feita, acompanhando um engenheiro de obras para a verificação da construção de uma ponte de vão considerável no município, aprontou uma das suas.feitas as devidas medições e avaliações topográficas foi constatado que a edificação da referida ponte não poderia ser de madeira, como desejava o Rubião.Seria inviável e naquele caso haveria a necessidade de ser construída uma ponte de concreto armado, com pilastras e outros recursos de engenharia.
     -Mas como não dá? Dá sim.Coloca uns troncos bem grossos e uns “taubuão” e ta feita à ponte, retrucou o Rubião. O Rubião já olhava para o engenheiro com um ar de impaciência.
      Este, por sua vez, vendo que não adiantava tentar esclarecer, em detalhes, o nobre edil tentou simplificar a explicação.
     -Caro vereador.A largura e o comprimento da ponte é muito grande.Por aqui passarão carros e caminhões pesados.Uma ponte construída com madeiras não suportará o peso e, além disso, há a Lei da Gravidade.Vai vir tudo abaixo.
      Imediatamente Rubião, com um ar de soberba e satisfação, em alto e bom som rebate.
      -Meu amigo doutor, se o “ploblema” é esta tal de Lei, faço um projeto de lei na câmara e eu e meus “cumpanheiro” “revoguemo” a dita! Não tem “ploblema”.
      O engenheiro e os que estavam ao redor se entreolharam e foram saindo de mansinho, escondendo os risos entre as despedidas e abraços formais.Rubião não perdendo a pose, abre o vidro do carro e grita para o engenheiro:
     - “Decha” comigo doutor.Me dá uns 15 dias e está “Lei de Gravidade” ta revogada ““.  
     Outro dia, por força de protocolo foi convidado para participar de uma reunião sobre “Problemas de Segurança Pública no Município”.Assunto que estava em alta no momento, merecendo a atenção das autoridades. Na reunião estavam presentes o Prefeito, o Presidente da Câmara de vereadores, o Juiz de Direito da Comarca, o Promotor, o Delegado de Polícia, Advogados, Professores, Presidentes de Associações e o Rubião que fazia parte da Comissão de Segurança do Município, também.
      Reunião iniciada e ouviram-se as considerações de cada uma das autoridades presentes, colocando seus anseios, problemas e soluções para o problema que estava sendo tratado. Rubião, no seu íntimo, ficava admirado quando ouvia alguém falar bonito.E pegava daqui e dali alguns termos e expressões que achava interessante e que lhe soava bem aos ouvidos. E não havia dúvida.Podendo emprega-las ao longo de seus discursos, assim o fazia.Não interessava que as palavras ou expressões se encaixassem de forma correta ou não ao assunto que estava tratando.O importante para ele era falar bonito e impressionar quem o estivesse ouvindo, positiva ou negativamente (o que acontecia na maioria das vezes).
      E lá pelas tantas, o coordenador da reunião passa a palavra ao Rubião.Aprumou-se na cadeira puxa o “nicrofone” e inicia sua fala:
     -Meus senhores e minhas senhoras.Não vou dizer o nome de cada um, pois levaria muito tempo e o “ploblema” é estrutural.A “cromplexidade” do “ploblema” é tanta que não sei por onde devo começar a “reatar” cada uma das partes de provocam tal situação.O importante é identificar se as atitudes das autoridades do “municips” esta ou não de acordo com a legalidade das ações que devem eliminar o “ploblema” que ora “aflége” a população menos assistida.O certo é que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa e não vamos misturar as coisas se não vai ficar tudo na mesma coisa.Uns “prende”, outros vão lá e “soltam os bandidos” e ainda tem outros que condenam os bandidos e os “dvogados” vão lá e tentam soltar de novo.E aí “se conséste” a problemática do “ploblema” .Tem que prende e deixa preso, sem os “dvogado” se mete à tira eles de lá.E tenho dito.
     O silêncio era divino.As pessoas que ali estavam levaram alguns segundos para absorver a tamanha profundidade da intervenção do caríssimo vereador.Estavam estáticas até que alguém resolve bater palmas timidamente e ser acompanhado por outros.
      Até hoje não se sabe se a salva de palmas foi pela brilhante intervenção do Rubião ou para que se pusesse um fim naquela reunião malfadada.

Autor:
Renato Hirtz)

CAUSO: FESTA DE NATAL

    A escola ficava localizada no centro de uma vila.Era um prédio todo de alvenaria e ostentava certa opulência pelo tamanho e arquitetura.As condições físicas eram muito boas.Era considerada uma escola padrão.             
    Alexandrina era uma professora de carreira que chegou a diretora por seus méritos.Dona de uma vitalidade sem igual não parava de incentivar os professores, promover atividades com os alunos e encontros de integração entre a comunidade escolar.
   Certa feita, preocupada com os parcos recursos destinados a escola, resolveu organizar um CPM (Círculo de Pais e Mestres).A tarefa não foi assim tão fácil.Na primeira reunião apareceram quatro pessoas.Alexandrina não desistiu.Na entrada e saída dos alunos parava no portão e quase pegava os pais pelo pescoço para fazer uma verdadeira evangelização com vistas à formação do tão necessário CPM. Nova data foi marcada para a reunião onde seriam formadas as chapas para eleição da diretoria do COM.
    Para desânimo da pobre professora Alexandrina oito pais e dois professores compareceram ao encontro.Porém, um dos pais, com grande entusiasmo assumiu a liderança da reunião e quase no grito, pressionando outros pais, formaram uma chapa.E era a única chapa. Com grande esforço e utilizando-se do dia da entrega dos boletins, consumou-se a eleição e a vitória, é claro, da chapa única.
   O presidente, senhor Arydolvino (“com y, por favor”) homem de boa e chata conversa, no outro dia deu início ao tramites legais para regularizar o COM junto aos órgãos competentes. E Arydolvino, com todo o entusiasmo passou a conviver junto com a direção, professores e alunos o dia-a-dia da escola.Na entrada dos alunos, lá estava ele junto com o coordenador de turno, fiscalizando.No recreio, lá estava ele orientando as atividades e fazendo a “segurança” dos alunos.O Arydolvino estava presente até na hora da distribuição da merenda “verificando” se os alunos comiam ou não.Só não participava das reuniões pedagógicas e administrativas devido a admoestações que sofrera por parte dos professores.
    Apesar de tudo isto, ele tinha que ser suportado.Era Presidente do COM e em prol da escola, não havia dúvidas, trabalhava bastante.Havia conseguido material esportivo, de audiovisual, alimentos e verduras para complementar a merenda com doações de comerciantes da comunidade.Era chato e metido, mas conseguia o que queria em prol da escola. Entre umas mazelas e outras, a coisa ia andando.Aproximava-se o final do ano.Arydolvino queria fazer uma grande festividade de encerramento.Deveria ser uma atividade pedagógica-cultural fabulosa e marcante.
    E daí para frente às atividades do presidente entraram em um ritmo frenético.Até nos planejamentos de final de ano, dos professores, ele queria dar o seu “pitaco”.Fazia contatos com comerciantes, industriais e políticos para arrecadar brindes, presentes, balas e doces para a festa de Natal. Tinha-se a nítida impressão que o Arydolvino estava à beira de um enfarto.Nas reuniões do CPM sugeria, aprovava e partia para a ação mesmo sem o aval dos outros membros da entidade. -Dona Diretora, já “tamos” com o pão e a salsicha, “prôs cachorro”.O bolo de Natal tá feito.Três padarias vão fazer cada uma um bolo, a gente “imenda” e “taí” o bolão! A Diretora mal absorvia uma informação e já vinha outra em atropelo. -Os “brindis já temos um pouco” e bala para gurizada não vai “falta”.Faz-se pacotinhos e pronto.Vamos “faze “ mais uns “pras emergência” e para os furões.
    O planejamento das professoras era muito mais pedagógico do que festivo.Cada turma faria sua apresentação aos pais, que seriam convidados, e o encerramento seria entoar a tradicional “Noite Feliz” e depois haveria uma confraternização singela com comes e bebes.O mais importante seria a distribuição de roupas e alimentos, recolhidos pelos alunos, a uma instituição de caridade da comunidade escolhida através de uma votação. Mas o Arydolvino queria algo grandioso!E para arrematar sua programação informa a Diretora: _E tem mais, Dona Diretora.O Papai Noel, que serei eu, descerá de helicóptero no pátio da escola, jogando papel picado e balas para a gurizada.Só vamos fechar os portões pra festa ser só dos nossos alunos. No dia marcado para a festa o calor era insuportável.Mesmo não acreditando na programação do seu Arydolvino, tudo foi preparado.Local para o trono do Papai Noel, o bolo colocado em uma mesa enfeitada, as caixas com os brindes, com os doces e as balas.E todos os alunos foram organizados em filas para esperar o tal Papai Noel.
    Para espanto de todos um helicóptero sobrevoa a escola jogando papel picado e com um vôo rasante caem pacotes de balas no pátio.Não houve quem segurasse aproximadamente 600 alunos.
    Helicóptero pousa e seu Arydolvino vestido de Papai Noel desce da aeronave.É praticamente amarrotado pela massa de crianças fazendo pedidos, querendo toca-lo, dar um abraço e ganhar um beijinho. Quando o Papai Noel consegue sentar no seu trono o pavor toma conta daqueles que estavam auxiliando-o.
    Pelos muros surge uma massa de crianças, jovens e adultos querendo um presente do velho Noel.Era uma correria.O Noel pingando de suor e já apavorado gritava:-Traz mais bala.Não me deixa sem bala! Os brindes me tomaram todos!
    A diretora, branca como giz, em pânico bradava por sua vez: -Calma gente! Por favor, tragam mais pacotinhos de bala!Mais bala! E alguém responde, com tremendo terror: -O bolo não resistiu ao ataque!”.Os brindes evaporaram! E as balas estão terminando!”.
    A diretora em total alucinação, suando de calor e de pavor esbraveja: -Chama a Brigada que vão matar o Papai Noel!

Autor: Renato Hirtz

CAUSO: PESO PESADO COMPLICADO

                 Romildo era um dedicado supervisor da disciplina de Educação Física.Trabalhava numa equipe de supervisores de uma Coordenadoria de Educação do interior. Tinha um tamanho descomunal devido às práticas desportivas, principalmente no atletismo. Com quase 25 anos de dedicada carreira com excelentes e pesadíssimas aulas de Educação Física estava agora transmitindo aos seus pares suas experiências.
                  Era um pesadão e de uma meiguice sem igual.Vivia buscando novidades, técnicas e não poupava esforço para manter as escolas da região com estes conteúdos e com o necessário material esportivo.Buscava apoio daqui e dali e mantinha exaustivos contatos com a Secretaria de Educação para conseguir com que as escolas ficassem supridas com o material devido.
           Durante a semana vivia com seus outros três colegas supervisores, da mesma disciplina, seja de ônibus, carro oficial ou mesmo de carona visitando as escolas, promovendo torneios na região e realizando acampamentos escolares de férias com alunos e professores. Mesmo com toda esta atividade era pesadão. Um verdadeiro atrapalhado devido à força descomunal promovida por seus músculos. Por mais que cuidasse, sempre causava algum estrago. Se ia abraçar alguém quase quebrava a pessoa ao meio.Se ia consertar alguma coisa... Não havia esperanças.T erminava quebrando outra. Suas mãos eram verdadeiros tijolos.
               E por tudo isto, certa ocasião, chegou na sala do coordenador com a palanca da viatura na mão.
                -Com licença senhor coordenador.Aconteceu um probleminha. O coordenador gelou, pois probleminha com o Romildo era sinônimo de problemão.Questionado o Romildo, sem jeito e com aquele sorriso angelical, tremendo as bochechas e girando a peça na mão diz:
                 -O motorista não veio e eu precisei usar a viatura.Não sei o que houve.Fui engatar a marcha e fiquei com a palanca na mão.
               - Bom se o problema é este, fala com a chefe administrativa e pede uma autorização para levar a viatura para o conserto.Isto acontece.
                 -Mas não é só isto.Na hora que fui sair do carro o banco quebrou.
                  O coordenador já irritado aumenta o tom de voz e exclama:
                  -Manda o Zé mecânico arrumar também.
                 -Mas tem mais uma coisinha, diz Romildo sentindo o calor percorrer seu corpo e o suor escorrer por baixo da camisa.Quando o banco quebrou, o senhor sabe, eu tenho 130 quilos, o assoalho da viatura cedeu e abriu...ficou um baita buraco e fui literalmente ao chão.
                 -Chega! Manda arrumar tudo e não chega mais perto da viatura. Anda de ônibus ou caminhão, mas não pega mais a viatura!
                 O Romildo, muito encabulado, pede desculpas pelo ocorrido e sai da sala.Ao fechar a porta, como sempre, não mede a força com que puxa a porta e...um estrondo.A porta fecha com um baque tremendo. O Romildo olha para a secretária que iria entrar na sala e sorri envergonhado lhe entrega a maçaneta.
                 -Senhor coordenador abra a porta por dentro, por favor, que houve um probleminha!
                 Dias depois, o Romildo se preparava para ir a uma nova visita numa das escolas de um município pertencente à região da Coordenadoria. Iria ele mais três colegas. Inclusive ficariam por lá uns três dias, promovendo um evento esportivo. Bem cedo rumaram para o seu destino.
               No meio do caminho pararam para fazer um lanche, pois tinham tomado café cedinho da manhã. O restaurante, na beira da estrada, era daqueles de encher os olhos de qualquer pessoa gulosa.Havia desde torresmo até torta de bolacha. Romildo começou a comer torresmo e parou na famosa “torta de mocotó”. Era uma receita quase secreta do dono do restaurante feita com creme do mocotó gelado ou coisa parecida. Não deixou de tomar um bom suco de laranja e de rebate um café preto ao final. Os colegas lembrando que não poderiam ficar ali por muito tempo foi o basta para a gulodice do Romildo.
             A escola era bem modesta, daquelas tipicamente rural.A reunião com os professores, diretora e alguns alunos líderes de turma começou às 14 horas.O que o Romildo comeu no almoço, não vamos nem comentar.Foi coisa de assustar.Já iam 30 minutos de reunião resolvendo como seria o encontro esportivo, Romildo sente um calafrio, com aquele suor frio, acompanhando de uma cólica infernal.Parecia que a sua barriga estava invertendo de posição.
               -Preciso ir ao banheiro, disse Romildo pálido que nem papel e derrubando a cadeira ao levantar.
             -A casinha fica do lado de fora do prédio, pois os banheiros estão em reforma.São duas, mas não...
               A diretora não terminou de falar a frase e o que se viu foi àquela montanha feita gente em desabalada carreira porta fora.
               Em questão de segundos ouviu-se um estrondo. Todos correram para fora e viram o quadro da dor sem moldura.Uma das casinhas caída para trás, Romildo tentando sair de dentro, entalado com as calças nas mãos e todo borrado.
             -Eu ia dizer que a primeira casinha não era para usar que estava com o alicerce podre!
                A tarde passou e com ela Romildo muito envergonhado com um calção emprestado por um dos alunos,sentado quieto como nunca,olhando sua camisa,cuecas e calças secando numa cerca de arame enfarpado.
(RENATO HIRTZ)

CAUSO : SÓ ENCRENCAS!

     Josivaldo era motorista contratado como funcionário público para atender o pessoal de uma coordenadoria de ensino lá do interior. Era o sonho daquele rapaz criado na roça, mas que não conhecia dificuldades, pois a família tinha uma boa situação financeira.Os pais eram plantadores de soja e o menino sempre teve o necessário. Sempre foi considerado “muito louco” e aprontava das suas.Sua fascinação era por automóveis.
    Quando começou a alcançar nos pedais da camioneta e do trator de propriedade de seu pai, não teve quem o segurasse.Uma vez o velho pai teve e busca-lo na Delegacia de Polícia, pois estava dirigindo perigosamente sem habilitação.
   O Josivaldo tinha fama de “barbeiro”.Só conseguiu passar no teste de direção na 5ª vez em que prestou prova prática.Era um horror.Conseguiu, entretanto, ser contratado para o tão sonhado cargo: motorista! Apesar de tudo isto, ele adorava o que fazia, mas fazia muito mal.Estava sempre no horário, com a viatura sempre brilhando e cheirosa internamente.Não descuidava da sua aparência por causa das gurias.Este era um problema.Não podia ver um rabo de saia que se alvoroçava todo.Ficava doido mesmo.
   Com a tabela de horários e compromissos do coordenador nas mãos, ficava de plantão na frente do prédio da coordenadoria, encostado na viatura.Aproveitava o tempo para ouvir um “som” e cuidar das gurias que passavam pelo local..
   Numa manhã, o Coordenador deveria sair mais cedo do que o horário habitual, devido a um compromisso num município vizinho.Deveria inaugurar uma escola e receber uma homenagem da Câmara de Vereadores do local.Não poderia chegar atrasado a cerimônia, pois seria uma falta de respeito para com as pessoas.
   Quem chegou atrasado foi o Josivaldo, com cara de sono, banho recém tomado, bafejando e temendo por uma reprimenda severa do coordenador. E não deu outra, o coordenador esbravejava, batia com os punhos nas pernas, sapateava e em seu terno azul marinho, suava aos cântaros.O cabelo lateral, comprido que era usado para disfarçar a calvície teimava em cair para o lado dando um aspecto cômico a figura do coordenador e com isto ficava mais furioso.
   -Chega de “lero-lero” e toca em frente.Não podemos chegar atrasado.Vamos logo, rapaz.
   Colocou o cinto de segurança e se ajeitou no banco. Josivaldo acelerou o carro tudo o que podia e largou a embreagem de sôco.A viatura já desgastada pelo uso trepidou e deu um solavanco brutal para frente.O banco do carona, onde estava o coordenador, deu um estalo e caiu para trás.Com o susto, o Josivaldo deu uma freada daquelas e o banco solto com o coordenador foi parar embaixo do painel.A situação era trágica e ao mesmo tempo cômica.Literalmente estufado de ódio, preso pelo cinto de segurança, lívido de raiva o coordenador berra:
   -Me tira daqui, seu imbecil.Quem foi que te ensinou a dirigir, mula!Olha o meu estado! Olha como ficou a minha roupa!Vamos logo...!
   Retirado com certa dificuldade da situação em que se encontrava, iniciou-se o trabalhado de consertar o banco quebrado.Como não havia ferramentas, o jeito foi arranjar um pedaço de arame e tentar solucionar o problema.Não havia como viajar no banco traseiro já que estava ocupado com material escolar que seria levado para a escola a ser inaugurada.Arrumado o banco lá se foram estrada afora. Depois de rodar por uns 15 minutos o Coordenador já estava suando aos cântaros, devido ao esforço que fazia para se manter sentado e ao mesmo tempo manter o banco no lugar.Cada reduzida de marcha ou aceleração o banco ia para frente e para trás.Rodados alguns bons quilômetros, com certa tranqüilidade, o Josivaldo mais preocupado com o “som” (o rádio) do que com a estrada, não vê um buraco no asfalto e acerta-o em cheio.O estouro do pneu é inevitável.E a fúria do coordenador chega quase as vias de fato.Ele queria pegar o Josivaldo pelo pescoço e estraçalhá-lo.
   -Não fala nada!Se disseres alguma coisa, não respondo por mim, troca o pneu rápido e não abre este teu bico.
   O Coordenador espumava de raiva sob o Sol escaldante.Josivaldo tremia de raiva e praguejava que só com ele aconteciam aquelas coisas.Em verdadeiro atropelo iniciou a troca do pneu estourado.Mas sua saga não havia terminado.Girou a manivela do macaco e retirou o rodado.Girou mais um pouco a manivela do macaco e ouviu-se um estalo.Tudo veio abaixo.O eixo da roda ficou cravado no asfalto.O macaco havia quebrado.
   O coordenador sapateava, soqueava o ar, dava pontapés para um lado e para outro e imaginava como seria chegar atrasado ao ato oficial.Suado, cansado, amarrotado e escabelado, espumava. Josivaldo no meio da estrada, gesticulava os braços para parar outro carro e pedir ajuda.Conseguida a ajuda com um agricultor da vizinhança retornaram a estrada.Nestas alturas eles voavam.Era total a loucura para vencer o percurso que faltava.Quando se aproximavam do local, em desabalada carreira, visualizaram uma pequena multidão reunida na frente da escola que seria inaugurada.
   E o pior aconteceu. Ao sair do asfalto para pegar a rua de acesso à escola, não houve condições de frear o carro.Josivaldo até tentou, coitado.A viatura derrapou como se estivesse numa estrada de sabão e foi parar, envolto em uma poeira só, quase debaixo do palanque. O Coordenador,em meio à poeira, moído de raiva e com uma vergonha de dar dó, sai da viatura todo amarrotado e coberto de pó..Para completar a cena, alguém grita do meio da pequena multidão:
   - É o Senhor Coordenador de Educação!
   Ele não sabia o que fazer.Ao mesmo tempo em que acenava com uma das mãos agradecendo a salva de palmas,limpava-se com a outra, sorria e fulminava com os olhos o Josivaldo. Este atordoado com a situação sai da viatura e com um orgulho quase ingênuo diz, sorridente em meio ao som de uma banda marcial desafinada:
   -Viu, não disse que chegaríamos na hora certa!Eu sou o cara !


(Autor Renato Hirtz)

CAUSO: FESTA DE NATAL

    A escola ficava localizada no centro de uma vila.Era um prédio todo de alvenaria e ostentava certa opulência pelo tamanho e arquitetura.As condições físicas eram muito boas.Era considerada uma escola padrão.             
    Alexandrina era uma professora de carreira que chegou a diretora por seus méritos.Dona de uma vitalidade sem igual não parava de incentivar os professores, promover atividades com os alunos e encontros de integração entre a comunidade escolar.
   Certa feita, preocupada com os parcos recursos destinados a escola, resolveu organizar um CPM (Círculo de Pais e Mestres).A tarefa não foi assim tão fácil.Na primeira reunião apareceram quatro pessoas.Alexandrina não desistiu.Na entrada e saída dos alunos parava no portão e quase pegava os pais pelo pescoço para fazer uma verdadeira evangelização com vistas à formação do tão necessário CPM. Nova data foi marcada para a reunião onde seriam formadas as chapas para eleição da diretoria do COM.
    Para desânimo da pobre professora Alexandrina oito pais e dois professores compareceram ao encontro.Porém, um dos pais, com grande entusiasmo assumiu a liderança da reunião e quase no grito, pressionando outros pais, formaram uma chapa.E era a única chapa. Com grande esforço e utilizando-se do dia da entrega dos boletins, consumou-se a eleição e a vitória, é claro, da chapa única.
   O presidente, senhor Arydolvino (“com y, por favor”) homem de boa e chata conversa, no outro dia deu início ao tramites legais para regularizar o COM junto aos órgãos competentes. E Arydolvino, com todo o entusiasmo passou a conviver junto com a direção, professores e alunos o dia-a-dia da escola.Na entrada dos alunos, lá estava ele junto com o coordenador de turno, fiscalizando.No recreio, lá estava ele orientando as atividades e fazendo a “segurança” dos alunos.O Arydolvino estava presente até na hora da distribuição da merenda “verificando” se os alunos comiam ou não.Só não participava das reuniões pedagógicas e administrativas devido a admoestações que sofrera por parte dos professores.
    Apesar de tudo isto, ele tinha que ser suportado.Era Presidente do COM e em prol da escola, não havia dúvidas, trabalhava bastante.Havia conseguido material esportivo, de audiovisual, alimentos e verduras para complementar a merenda com doações de comerciantes da comunidade.Era chato e metido, mas conseguia o que queria em prol da escola. Entre umas mazelas e outras, a coisa ia andando.Aproximava-se o final do ano.Arydolvino queria fazer uma grande festividade de encerramento.Deveria ser uma atividade pedagógica-cultural fabulosa e marcante.
    E daí para frente às atividades do presidente entraram em um ritmo frenético.Até nos planejamentos de final de ano, dos professores, ele queria dar o seu “pitaco”.Fazia contatos com comerciantes, industriais e políticos para arrecadar brindes, presentes, balas e doces para a festa de Natal. Tinha-se a nítida impressão que o Arydolvino estava à beira de um enfarto.Nas reuniões do CPM sugeria, aprovava e partia para a ação mesmo sem o aval dos outros membros da entidade. -Dona Diretora, já “tamos” com o pão e a salsicha, “prôs cachorro”.O bolo de Natal tá feito.Três padarias vão fazer cada uma um bolo, a gente “imenda” e “taí” o bolão! A Diretora mal absorvia uma informação e já vinha outra em atropelo. -Os “brindis já temos um pouco” e bala para gurizada não vai “falta”.Faz-se pacotinhos e pronto.Vamos “faze “ mais uns “pras emergência” e para os furões.
    O planejamento das professoras era muito mais pedagógico do que festivo.Cada turma faria sua apresentação aos pais, que seriam convidados, e o encerramento seria entoar a tradicional “Noite Feliz” e depois haveria uma confraternização singela com comes e bebes.O mais importante seria a distribuição de roupas e alimentos, recolhidos pelos alunos, a uma instituição de caridade da comunidade escolhida através de uma votação. Mas o Arydolvino queria algo grandioso!E para arrematar sua programação informa a Diretora: _E tem mais, Dona Diretora.O Papai Noel, que serei eu, descerá de helicóptero no pátio da escola, jogando papel picado e balas para a gurizada.Só vamos fechar os portões pra festa ser só dos nossos alunos. No dia marcado para a festa o calor era insuportável.Mesmo não acreditando na programação do seu Arydolvino, tudo foi preparado.Local para o trono do Papai Noel, o bolo colocado em uma mesa enfeitada, as caixas com os brindes, com os doces e as balas.E todos os alunos foram organizados em filas para esperar o tal Papai Noel.
    Para espanto de todos um helicóptero sobrevoa a escola jogando papel picado e com um vôo rasante caem pacotes de balas no pátio.Não houve quem segurasse aproximadamente 600 alunos.
    Helicóptero pousa e seu Arydolvino vestido de Papai Noel desce da aeronave.É praticamente amarrotado pela massa de crianças fazendo pedidos, querendo toca-lo, dar um abraço e ganhar um beijinho. Quando o Papai Noel consegue sentar no seu trono o pavor toma conta daqueles que estavam auxiliando-o.
    Pelos muros surge uma massa de crianças, jovens e adultos querendo um presente do velho Noel.Era uma correria.O Noel pingando de suor e já apavorado gritava:-Traz mais bala.Não me deixa sem bala! Os brindes me tomaram todos!
    A diretora, branca como giz, em pânico bradava por sua vez: -Calma gente! Por favor, tragam mais pacotinhos de bala!Mais bala! E alguém responde, com tremendo terror: -O bolo não resistiu ao ataque!”.Os brindes evaporaram! E as balas estão terminando!”.
    A diretora em total alucinação, suando de calor e de pavor esbraveja: -Chama a Brigada que vão matar o Papai Noel!

(Autor: Renato Hirtz)

DEPILAÇÃO A FOGO (CAUSO)

     Doutor Francisco era o nome do presidente do Círculo de Pais e Mestres de uma escola privada, comandada por uma congregação de freiras.Era uma instituição de porte médio, muito bem organizada e com objetivos bem definidos, tanto pedagógicos como administrativos. Doutor Francisco era um cirurgião dentista bem afamado que dedicava parte de seu tempo colaborando com o colégio onde estudavam seus filhos.Organizava festas, almoços, jantares e atividades integradoras tanto para alcançar fundos para a construção de um novo pavilhão, como para a confraternização dos integrantes da comunidade escolar. Homem alto, com uma cabeleira grisalha, mito bem cuidada, barba bem aparada e de uma simpatia sem igual.Era incapaz de levantar a voz com quer se fosse, mesmo em situações difíceis.Sua calma era invejável e sua ponderação inigualável.Sabia conduzir um debate ou uma discussão de modo que ao final todos saiam satisfeitos.Era querido por todos e muito determinado, apesar de parecer lento em suas decisões. 
     Certa feita foi lançada a idéia de realizar-se uma quermesse com o intuito de arrecadar dinheiro para as reformas do refeitório, adquirir um fogão industrial novo e um forno elétrico.O Forno a gás já era bastante velho e poderia acarretar algum perigo quando colocado em funcionamento. Imediatamente o Doutor Francisco e os demais participantes do CPM (Circulo de Pais e Mestres), reuniram-se para deliberar as ações que deveriam ser tomadas para que a atividade ocorresse com sucesso. Surgiram uma série de sugestões de bancas, tendas e outras atrações que dariam um diferencial a festa. O ponto culminante seria um almoço). 
     Distribuídas às funções de cada grupo entre pais, professores e alunos todos iniciaram suas programações.Como arrecadar brindes, construir suas tendas e barracas e assim por diante.O grupo dos pais que formavam o CPM se encarregou de fazer o almoço. Eram em número de oito os integrantes da diretoria.Seis homens e duas mulheres.Reunidos, acertaram o cardápio que seria frango assado (no forno), lasanha, arroz branco e outros complementos. 
     Um dia antes do grande evento, a escola apresentava-se com um grande alvoroço.Todo o mundo se agitava preparando as tendas, barracas e a decoração do pátio.Todos trabalhavam com alegria e integração. No outro dia pela manhã, bem cedo, o Doutor Francisco lá estava com uma roupa apropriada para o trabalho.Todos estavam ocupados em limpar os frangos, cortá-los, colocá-los no molho temperado, montar as lasanhas, preparar o arroz e as saladas. 
     A festa iniciou às oito horas com apresentações artísticas.As pessoas iam chegando e quermesse se animava aos poucos. No refeitório da escola, Doutor Francisco dá a ordem para colocar os frangos e lasanha para assar. O forno deveria ser aceso. Lá foi o Doutor Francisco acender o forno e nada. O forno não acendeu. 
    -Deixa comigo, disse um outro pai. E abre o registro e ascende um palito de fósforo e nada. 
    -Acho que é problema no bico. Deve estar entupido. Mexe daqui e mexe dali e nada. Vai um e vai outro pai tentando acender o bendito forno e nada. Após várias tentativas, o Doutor Francisco resolve fazer a última tentativa. Acende um palito de fósforo e se aproxima da boca do forno, com toda a calma. Houve-se um “bum” acompanhado de uma grande labareda de fogo que sai de dentro do forno. Com um grito o Doutor Francisco cai sentado no chão e ouve-se um coro de vozes dizendo “Oh!”. Todos correram em direção ao Doutor Francisco e a imagem que viram era extremamente cômica. O Dr. Francisco branco como cera, estava sem sobrancelhas, cílios, barba e só com a metade do cabelo, da cabeça para trás. Estava literalmente depilado.
    Levado a um posto de saúde próximo foi constatado que nada de mais grave havia a acontecido, apenas uma pomada foi receitada para passar no rosto. Ao retornarem para a escola e ao entrarem no refeitório, para espanto de todos, o forno estava aceso e pronto para ser usado. Doutor Francisco com sua tradicional calma olha para todos, com seu rosto lustroso devido à pomada e com uma cara de extraterrestre diz:  
    -Vamos lá pessoal ! Ainda bem que só perdi os pelos da parte de cima! E a depilação nem doeu! 



AMERENDA (causo)
     A professora Maria Linda trabalhava em uma escola da periferia. A turma da 4ª série era formada por trinta e oito alunos e Linda como era chamada era uma professora dedicada,minuciosa e que impunha uma disciplina rígida aos seus pupilos. Desde a forma de entrar em sala de aula, a postura, os cadernos e livros, o cuidado com a vestimenta e com a linguagem e atitudes, tudo era levado muito a sério pela docente assim como respeitado pelos estudantes. 
     Fazia um trabalho muito apreciado pelos pais e deles tinha total apoio para tanto. Não media esforços para trazer uma novidade aos alunos, promover um passeio, fazer uma festinha, assistir um filme na sala de audiovisual improvisada. Era a forma de premiar seus “filhos” quando apresentavam bom rendimento na aprendizagem. Os alunos eram carentes, mas ela os incentivava a terem amor próprio e a dar valor as pequenas coisas e ao pouco que possuíam, preservando assim os valores tão esquecidos. 
     Certa vez, por um problema administrativo, faltou merenda na escola por quase um mês. Foi um horror. Linda foi a luta e conseguiu, por doação pacotes de bolachas com as quais mantinha uma certa alegria na hora da merenda. Dividia fraternalmente cada pacote entre as crianças da sua turma e comentava a importância de saber dividir com o outro, nas horas difíceis. 
     Passado cerca de trinta dias, chega um caminhão trazendo os gêneros alimentícios. Todos os alunos daquele turno ficaram alvoroçados e os maiores se prontificaram para ajudar a descarregar o caminhão e ajudar a organizar os produtos na pequena sala junto a não menos pequena cozinha da escola. Foi um verdadeiro trabalho de formigas. 
     No outro dia, a expectativa não era o conteúdo novo que a professora iria ministrar nem a hora do conto na biblioteca ou o campeonato de futebol que se desenvolvia entre as turmas. O foco das atenções era a hora da merenda para poderem saborear novamente os quitutes que a tia Maria preparava como ninguém. O sistema de distribuição da merenda era seguido rigorosamente. Começa pelos alunos do Jardim de Infância, a primeira série e as demais turmas sucessivamente. Os maiores, da 4ª série em diante, merendavam na própria sala de aula. A cada dia um aluno era encarregado de buscar a bandeja com a alimentação. Naquele dia Josiel foi escolhido para a tarefa. Porém, Josiel era aquele tipo de aluno tímido, nervoso e quase tudo o que fazia não dava certo.
     Mesmo sob protesto dos demais colegas lá foi Josiel buscar a tão esperada merenda. Com todo o cuidado o menino pegou a imensa bandeja com as terrinas cheias de uma sopa deliciosamente cheirosa. Marcava passo na direção da sala de aula rezando para todos os santos evitando sacolejos e um possível acidente. Quando chegou na porta da sala de aula foi recebido por uma manifestação estridente dos colegas e sob os gritos da professora Linda\;
      - EHHHHHHH! - CALMA! CALMA! 
     Os gritos foram tão fortes que Josiel ficou aterrorizado e esqueceu o pequeno degrau que existia na entrada da porta. E não deu outra... Josiel tropeça e sob os olhares atônitos de seus colegas a bandeja literalmente voa para dentro da sala e cai aos pés da professora Linda esparramando terrinas, sopa e fumacinhas para todos os lados. Em segundos intermináveis para Josiel, a professora grita de dor pela queimadura de pingos de sopa que caíram nos seus pés e Josiel vê seus colegas levantarem saindo de suas classes em sua direção.Num coro uníssono vociferarem: 
     -BABACA! 
     Ao mesmo tempo ouviu ao longe os berros da professora: 
    - NÃO! NÃO! CALMA! Sem violência, voltem para seus lugares. Sem violência ! 
   Foi a última coisa que Josiel ouviu. Quando acordou na sala da Direção viu sua professora com os cabelos revoltos, a roupa toda suja e com rasgos. A Diretora esfregando as canelas e braços e alguns outros professores em volta com expressões de admiração. 
    - O que aconteceu? Perguntou Josiel com uma voz quase inaudível. 
   - Você tropeçou, caiu e a merenda da turma foi ao chão. Os colegas não te lincharam porque impedimos a muito custo ! 
    - Viu... e depois vocês dizem que a merenda escolar é muito importante para a saúde dos alunos ! 
    Não houve resposta.
(AUTOR: Renato Hirtz)

 


O BANHO PEDAGÓGICO ( CAUSO)


{#}     Sessenta e dois alunos faziam parte da turma do curso Biologia, sendo apenas oito rapazes do total. Eram tratados com todo o carinho e atenção pelo restante das gurias,isto quando eles não aprontavam das suas. Cada um dos rapazes, é claro, tinha uma característica peculiar. 
         O Othaviano era o mais velho,metido a malandro e querendo sempre levar vantagem em tudo.O problema era que o tudo sempre levava vantagem dele.O Arlindo era um pequenininho que não podia ver um rabo de saia que se atirava logo a dar uma cantada.O porém era que ele acabava sempre levando um grande fora ou correndo dos namorados,noivos e maridos das mulheres.O Zeraldo era o carrancudo a primeira vista,mas um grande sacana.Aprontava grandes sacanagens e sempre com aquela seriedade militar.Havia ainda o Roberval era o mais tímido,porém muito sacana.Era o “come quieto”.Fazia suas peraltices mas mantinha um certo estilo que lhe proporcionava segurança.Completava-se o grupo com o Modestino,o Rualdo,o Josué e o Carlitos que somavam-se as traquinagens dos demais. 
       Certa ocasião. o professor Marialdo marcou com todos um trabalho de campo.Estariam “in lócus” estudando a flora de um riacho extremamente conhecido da cidade.Como o professor era extremamente exigente com seus alunos fez uma longa preleção explicando todos os detalhes para execução do trabalho. Os alunos deveriam estar com sua “maleta biológica” com todo o material necessário entre eles tubos de ensaio com tampas, tesouras de diversos tipos, pipetas e pinças dos mais diversos tamanhos, luvas, botas, roupa adequada, enfim não poderia participar daquela sem os devidos recursos necessários. As gurias venderam as jóias para comprar o material indicado que era de alto custo, entretanto a turma dos guris liderada pelo Othaviano decidiu buscar outra alternativa. 
     Reuniram-se no final de semana e utilizando-se de material descartável e reciclável resolveram fabricar seus instrumentos.Vidrinhos,tampinhas,arames,um pedaço de filó (para fabricação de redes de captura),garrafas,taquaras,botas e luvas foram adaptadas nos baús de quinquilharias de seus pais...ao final da tarde de domingo cada um estava com o material completo e pronto para ser usado. 
     E lá se foram na segunda-feira para a tão aguardada aula prática de coleta de material no famoso riacho. Chegando ao local previamente determinado, encontraram as gurias eufóricas de botinhas, luvinhas e com sua maletinha aguardando o professor Marialdo. A farra iniciou quando viram o material dos guris.O que era para ser quadrado tinha uma forma triangular e o esférico aproximava-se do quadrilátero.A visão do material era uma obra inacabada do capeta ! 
     O sol da tarde de final de março era estranhamente escaldante e recebeu o professor Marialdo metido em uma calça de borracha, completada por monstruosas botas, uma maleta enorme (mais para uma mala a tiracolo do que outra coisa), com um guarda pó muito alvo, tendo suas mãos protegidas por grandes luvas e um chapéu de palha ridículo que completava uma figura cômica. Trazia uma rede de coleta aquática em uma das mãos e já fazia sinal de silencio com a outra. A figura provocava risinhos entre as gurias e altas gargalhadas entre os guris, que estavam despojadamente vestidos e não esperavam ver aquela imagem que mais lembrava um astronauta do que outra coisa. 
      Dadas as determinações finais sobre todos os cuidados necessários a coleta e evitar alguma contaminação, tendo em vista que era um escoadouro de esgotos residenciais e industriais o professor em tom solene diz: - Com muita calma, pessoal, temos a tarde inteira para realizar a atividade. Sem pressa e muita atenção para não ocorrer nenhum acidente.Eu serei o primeiro a descer a rampa e entrar no riacho.Vejam que ele tem muita matéria orgânica em decomposição.Muito cuidado.Observem como se deve proceder. Ajeita-se e empertigado dá o primeiro passo para descer a rampa e o que ele mais queria evitar aconteceu. 
     Se houve o barulho do escorregão,o baque e um gemido abafado e o professor Marialdo Rolando com maleta e tudo em direção ao riacho. Todos ficaram momentaneamente estáticos até o professor literalmente mergulhar no riacho, em meio a fezes não decompostas e todo aquele material fétido. 
     Paralisados as gurias só davam pequenos gritinhos e os guris não sabiam se desatavam a rir ou com as mãos nuas ajudavam o professor sair daquela situação e corriam o risco de contaminação. O professor se coloca em pé depois de várias tentativas e totalmente preto devido ao material putrefato do riacho, junta a maleta, pega sua rede coletora, deixa sua coluna geometricamente ereta e começa a subir a rampa sob ameaças dos guris e gurias de ajudá-lo, mas impedidos pelo pavoroso fedor que exalava e devido à gosma que cobria o corpo do mestre.  
      Já seguro na margem ele olha, com verdadeiro furor aos alunos e em tom catedrático diz: 
      - A aula prática está encerrada. Até a próxima semana. 
    Com um barulho característico de sapato encharcado de água, deixando um rastro de odor terrível e visivelmente derrotado o professor entra em seu carro e sai em desabalada carreira. Neste momento, em meio à flora e fauna característica da região ouve-se uma gargalhada uníssona dos guris e gurias...

(Por Renato Hirtz)

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