Se
pararmos para refletir sobre o currículo escolar vigente em nossas escolas
estaduais chegaremos à conclusão de que as mudanças ocorridas (e ao longo do
tempo foram em número razoável) apenas maquiaram uma tradição enraizada em
nossa sociedade: modelos prontos! Modelos prontos de “homem” e de “mulher”. Mesmo
com toda a evolução e a luta feminina na conquista de níveis igualitários com o
homem são programas culturalmente tradicionais. E não só se constituem em
programas fechadas,como a atuação do professor, com exceções, são enquadradas
dentro de uma linha metodológica pedagogicamente tradicional. As ações vem de
gabinetes que traçam normas, métodos e meios distantes de uma realidade
gritante.
Grande
número de educadores e instituições escolares se debatem entre o que deve ser e
o que é. Conseguem com muito esforço desenvolver uma programação escolar criativa
e produtiva para o aluno. Conseguem quebrar esta conspiração maléfica da
imposição programática, mesmo que o discurso seja a autonomia escolar. Forma-se
um espaço silencioso, entre quatro paredes de uma sala de aula ou na mais
otimista realidade, entre os muros da escola brilhantes trabalhos realizados na
parceria entre aluno e professor. O incentivo a resultados positivos permeiam
discursos de interesse outros e caem logo em seguida na lembrança dos
partícipes das atividades.
Com
todos os avanços no processo educacional muito ainda temos que evoluir. Muitas
vezes, em plena sala de aula descrevendo aos alunos os processos de divisão
celular, dei-me conta da avidez com que alguns alunos absorviam o conteúdo. Em
contra partida olhares sem rumo e expressões de certa angustia apareciam no
rosto de outro grupo. Questionava se aquele conteúdo estaria sendo necessário
ou alteraria alguma coisa para este último grupo.Vinha então, como constatação,
o gesto de um aluno acenando a mão e questionando por que sua irmã não poderia
ter filhos. As razões eram postas e solicitava uma consulta bibliográfica sobre
o assunto. Na aula seguinte o volume de informações era razoável e os
questionamentos e debates muitas vezes eram acirrados. O resultado era
positivo. Havia entendimento dos processos de divisão celular, métodos
contraceptivos e infertilidade. E assim ocorria inúmeras vezes, onde o bendito
conteúdo programático tinha que ser deixado de lado.
Diferentes,
porém equivalentes. Estarei dizendo o óbvio, mas esta é a verdade sobre a
condição dos alunos que formam uma turma, quando convivem dentro e fora dos
limites da escola. É para estas diferenças ou diversidades que se equivalem a
formação de um caminho de uma escola mais dinâmica. Ela deve possuir uma ação
pedagógica não excludente, integradora e respeitando as diferenças, motivando
as equivalências chegando desta forma a uma escolarização e educação completa e
interativa. Nosso mundo globalizado é formado por sociedades plurais ( os
grupos,as tribos, os sem, os portadores e por aí vai ) e a escola não pode se abster de toda a sorte
de influências destes grupos. A sociedade é facetada. A escola não pode negar
isto e nem fugir deste quadro. Ela tem que se preparar para assegurar a
escolarização,a educação e a cultura destas camadas de diferentes.Lembrando que
são diferentes mas equivalentes.
Com muita dificuldade as barreiras
ou tradições viciadas que determinam à evolução destes “diferentes” estão
caindo por terra. Muito pelo esforço quase individual e de grupos obstinados de
educadores que se dedicam a esta luta. No meu caminho de educador encontrei
muitos parceiros de luta que sacrificavam horas de descanso e convívio social
para construir uma educação integradora. O sistema educacional (aí se coloca os
governos, legisladores e a sociedade como um todo ) têm que entender e agir
para que as funções, oportunidades e os
avanços na educação são oferecidos de modo genérico. Agem como um médico que
receita o mesmo medicamento a todos os seus pacientes sem considerar seu
histórico familiar, sintomas e diagnóstico. A origem das causas e as
conseqüências delas são tratadas da mesma forma como se houvesse apenas um tipo
de doença no mundo.
Neste
ambiente genérico surgem as gangs, os grupos, as tribos que inicialmente falamos.
E ali tentam conviver. Os atritos surgem ou por suas limitações ou
potencialidades. Eles têm origem na diferença de nível cultural, social e
econômica. Isto não é novidade nenhuma. O ponto gerador desta violência é o cerceamento
de sua liberdade, da criatividade e ao direito de ser um indivíduo como
qualquer outro e respeitado em suas diferenças. Organizam-se assim, então, para
assegurarem um lugar na sociedade custe o que custar. São seguidores da teoria
da atitude contrária e negam-se a participar de estratégias pré-estabelecidas
(lembram do médico e seu remédio genérico). Já tive a experiência de conhecer
um aluno rotulado de aproveitamento péssimo esculpir uma canoa conduzida por um
índio, com cocar e tudo mais, usando uma simples barra de giz e um clips. Convidado
para participar de uma atividade cultural na escola, fazendo parte de uma
equipe surpreendeu a todos com sua obra de arte. Questionado por seu talento e
por que nunca mostrou esta capacidade aos colegas e professores respondeu que
exatamente por nunca havia tido uma
oportunidade até então.
E
a coitada da nossa escola com todas as carências que possui e a desvalorização
da profissão de educador tornam-se prisioneiros desta pluralidade de indivíduos
que forma a comunidade escolar (todos os envolvidos no processo educacional
daquele estabelecimento de ensino). Pior é quando colocam a nossa frente (
prisioneiros da padronização) um novo conteúdo programático padrão, com
conteúdos e atividades padrão, com um procedimento de avaliação padrão e
considerando resultados satisfatórios entre o bom e ótimo. Já assisti e
participei de verdadeiros embates sobre avaliação, seus instrumentos e
procedimentos. Mais ainda, quando o assunto girava em torno da média. Longas
horas levava uma discussão se uma média ideal seria cinqüenta ou sessenta.
Debates teóricos e muitas vezes infindáveis. E as diferenças sempre esquecidas.
Não importa, e trabalhei em escolas com processos de avaliações completamente
diferentes, se vamos optar um ou outro resultado médio. O que torna a avaliação
próxima do ideal é o caminho de qualidade escolhido para expressar quantidade. Os
instrumentos e procedimentos de avaliação são extremamente significativos. O
cinqüenta de um aluno pode significar o 100 de outro aluno na disciplina de
biologia, por exemplo. Aquela nota alcançada significa, diante de suas
potencialidades, seu máximo. Ele é mediano para o genérico, mas atingiu seu
máximo diante de suas dificuldades. Por isto, conhecer as diferenças dentro de
uma sala de aula é vital. E o conselho de classe é uma das ferramentas mais
importantes do processo de avaliação. A ficha do aluno não deve servir apenas para
anotar dados cadastrais. A supervisão pedagógica aliada ao grupo de professores
deve dar registro quase que diário a todas as manifestações significativas de
seus alunos. Em conselho servirão para determinar observações de melhoria e, principalmente,
de motivação para seus alunos.
Todos
sabem óbvio, que o ser humano do início do século passado não é nem parecido
com o de hoje e não será daqui vinte anos. Quando se trata de educação e
cultura há uma boa distância entre eles.Valores,conceitos,tecnologia são
totalmente diferentes de ontem e se transformarão em passos largos daqui para
frente. E o processo educativo e de escolarização estão preparados para
acompanhar esta transformação ? Quando os gestores estatais do processo
educacional vão realmente alavancar condições necessárias, reais e contínuas
para a formação de indivíduos que consigam caminhar por suas próprias pernas. Independentes
de muletas estatais que só colaboram para o retrocesso e a inércia dos nossos jovens.
A
Biologia estabelece que geneticamente não haja um indivíduo igual (idêntico) ao
outro. Isto está escrito no código genético. Ele demonstra que intrinsecamente
que há uma variabilidade da espécie. É a natureza nos dizendo que mesmo
irmãos,mesmo originados da mesma bagagem genética de seus pais são diferentes. Gêmeos
idênticos, geneticamente iguais, por influencia do ambiente onde crescem e se
desenvolvem de tal forma e jeito se diversificam nas suas atitudes físicas e
mentais. Definitivamente não há dois indivíduos que vão responder a situações
problemas da mesma forma. Duas zebras não são iguais. As listras não seguem um
padrão e servem de impressão digital para diferenciação fazendo-as seres
individuais. Inevitavelmente somos diferentes dentro da mesma espécie. E querem
nos tratar como iguais e padronizam a forma de aprendizagem, a forma de
escolarização e educação.
Nossa
ação pedagógica não pode ignorar todos estes fatos. Há que encontrar meios de
quebrar com estes paradigmas, métodos e formas de abordagem do educando da
atual estrutura escolar que serve-se de currículos padronizados. Já trabalhei
com conteúdos programáticos que vinham em fascículos através da mantenedora do
sistema educacional. As provas chegavam as escolas lacradas e eram aplicadas
com intuito de verificar se o professor havia ensinado o que constava nos
verdadeiros manuais e se o aluno submetia-se a síndrome do papagaio. Verdadeiro
adestramento que não levava em conta as diferenças. Chegaram os famosos
objetivos. E deveriam ser acrescentados. Nas próprias orientações vinha a
recomendação de que deveriam ser repetidos tantas vezes quantas fossem
necessárias até o coitado deglutir (atingir) aquilo. E aí já fazíamos uma
divisão de níveis. Havia um grupo que atingia os objetivos propostos, outro que
atingia em parte e aqueles que não conseguiam. E era uma zorra que hoje se
chama de bullying.
E
houveram muitas e tantas outras mudanças no ensino. E sempre os diferentes eram
esquecidos, ou para não generalizar, haviam aqueles mestres que rebelando-se
contra tudo e todos, trabalhavam com os diferentes de forma integradora. Ainda
bem que começamos a receber pequenas fatias de atenção e de entendimento de que
existem os diferentes. E neles descobrirmos potencialidades que os tornem
equivalentes aos ditos normais. Cheguei,certa vez,a iniciar uma especialização
em super dotados. Desisti. A forma como conduziam o curso tratando daquele
aluno excepcional fez com que eu sentisse mais impotente ainda. A realidade é
uma e a teoria se distancia da primeira. Não há todo o aparato sugerido teórico
na sala de aula. O professor não dispõe do instrumental necessário para tratar
com as diferenças. Não há apoio, não há fundamentação teórica e prática
objetiva e efetiva para tal. Lembro de uma aluna que chegou a uma turma com um
percentual baixíssimo de acuidade visual. Não sabia como tratá-la
pedagogicamente. Era uma lutadora que veio se arrastando sob o jugo da
padronização, através de reprovações e chegou até a sétima série pelo seu
esforço. Busquei ajuda em instituições que tratavam com deficientes visuais. Formou-se
e alcançou o sonho de concluir seu ensino médio. Chegou ao limite de sua
potencialidade, quem sabe. Aprendi pela força algumas técnicas para poder tratá-la
como uma igual em sala de aula.
O que quero dizer com diferentes,
mas equivalentes. Cada um de nós diferente um do outro trazemos potencialidades
muitas vezes escondidas por crescermos em um ambiente que prima pela
padronização. Quantos alunos pésssimos em língua portuguesa que são verdadeiros
talentos em matemática e são barrados do baile por não se enquadrarem no
padrão. Quantos portadores de deficiências mentais que são excelentes artesãos,
programadores, escritores e por aí vamos citando. E quantos perdem-se pelo meio
do caminho por que não há incentivo não há estrutura e comprometimento real dos
governos que passaram e que chegam, com a educação. Já me depararei com escolas
que ganharam kits de computadores e aparelhos de mídia e não tinham onde
colocar. Não havia sala disponível e nem local para uma adequação provisoriamente
permanente. Uma situação quase cômica se não aflorasse a revolta pela
desconsideração com os participes do processo educacional da escola.
E aquela cancha poliesportiva que foi construída para os
alunos dos três turnos da escola onde a iluminação foi esquecida?
Continuemos
nossa luta. Se dias melhores virão não sabemos, mas o compartilhamento destas
verdades tende aumentar o grupo de profissionais da educação que sem cor
partidária levantam a bandeira da educação. Teremos que ser ouvidos unindo-nos,
diferentes mas equivalentes no
objetivo de que os governantes
não tratem a educação de nossas crianças e jovens como trampolim para
interesses próprios. O processo educacional tem que servir para oportunizar a
expressão de cada ser humano e descobrirmos neles seus talentos, anseios e
objetivos. A escola aí há de se perguntar e concluir,como um todo, para que
serve inserida naquela comunidade. Só assim os diferentes deixarão de formar
seus grupos, tribos e gangs. Somar-se-ão para formar uma sociedade mais justa e
igualitária.
(Renato Hirtz – 2007 )
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